Editorial, Estadão
A decisão do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), de mandar arquivar, por falta de provas, uma ação penal contra o senador Valdir Raupp (MDB-RO) não deveria gerar apreensão caso não fosse o fato de o processo ter chegado à Corte Suprema há nada menos do que 15 anos. Este foi o tempo necessário para que o magistrado concluísse que “o exame dos elementos constantes destes autos evidencia que o Ministério Público local (do Estado de Rondônia) deixou de produzir prova penal que corroborasse, em juízo, o conteúdo das imputações penais deduzidas contra Valdir Raupp”. Ou seja, o Supremo demorou década e meia para perceber que uma grave acusação não estava fundada em provas, como manda a lei.
Em 2002, o parlamentar foi condenado em primeira instância pela Justiça de Porto Velho pelo crime de peculato, que teria sido cometido entre 1995 e 1998, período em que Valdir Raupp governou Rondônia. O processo foi remetido ao STF em grau de recurso em 2003, quando Raupp assumiu o mandato de senador e passou a ter foro especial por prerrogativa de função. Desde então, o feito aguardava a decisão dada por Celso de Mello no início deste mês.
Por qualquer ângulo que se olhe para este caso, o que se tem é o mais absoluto desvirtuamento da noção de justiça, da primeira à última instância. Note o leitor que a condenação penal de Valdir Raupp pelo juízo de primeiro grau se deu anos após a suposta prática criminosa. Isto traz danos enormes para a vida do réu, em caso de absolvição futura, e para a sociedade, em caso de uma condenação tardia de um administrador público. O mesmo vale para o trâmite lerdo na Corte Suprema.
É inadmissível um cidadão, seja a que foro estiver submetido, viver com a pesada espada que separa os culpados dos inocentes pairando sobre a sua cabeça por tanto tempo. A injustiça se apresenta mais grave quando praticada pelo STF, em última análise o depositário da confiança dos cidadãos no Poder Judiciário como anteparo derradeiro contra os arbítrios do Estado. E não se trata de outra coisa que não um arbítrio manter em aberto uma ação penal por 15 anos. Não se testam deste modo os limites da fé da sociedade em suas instituições.
Há 12 anos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já havia pedido ao STF que a pena contra o senador Valdir Raupp fosse mantida. Sete anos depois, em 2013, a PGR voltou a pedir o empenho da Corte na análise do caso, alertando àquela época para o risco de prescrição, “na iminência de ser atingido”. De nada adiantou.
Em nenhum momento do longo processo houve quem atentasse para a ausência de provas contra Valdir Raupp. Em seu despacho, o ministro Celso de Mello reconhece que os elementos de prova produzidos no processo “evidenciam de maneira bastante clara” que não havia qualquer dado que permitisse a condenação do senador pelo crime que lhe foi imputado. Se restava clara a completa inépcia da denúncia, como ora atestado pelo ministro decano, por que fora acolhida pela Justiça de Porto Velho? Se a ausência de provas estava clara aos olhos de Celso de Mello, por que o arquivamento não foi pedido logo que o feito chegou ao STF, em 2003?
Em maio, outro processo que tramitava no STF contra Raupp também foi arquivado por Celso de Mello a pedido da PGR. Este, pela suposta prática dos crimes de quadrilha, estelionato e gestão fraudulenta tramitava no STF há menos tempo, “apenas” há 14 anos.
O STF deveria ser o maior exemplo de tramitação célere de processos penais. O Estado Democrático de Direito não se coaduna com uma persecução criminal longa, indefinida. O réu perde, sua família perde, a sociedade perde.
O Supremo é o guardião máximo da Constituição. Se no livrinho está escrito que cabe à Corte Suprema exercer a função penal em certos casos, é isso que ela deve fazer. E a um tempo que não configure uma ameaça à segurança jurídica, ao interesse público e, em maior medida, aos cidadãos sobre os quais paira o peso de uma acusação criminal.
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