1. Tortura e ausência de direitos humanos
As torturas e assassinatos foram a marca mais violenta do período da ditadura. Pensar em direitos humanos era apenas um sonho. Havia até um manual de como os militares deveriam torturar para extrair confissões, com práticas como choques, afogamentos e sufocamentos.
Os direitos humanos não prosperavam, já que tudo ocorria nos porões das unidades do Exército.
"As restrições às liberdades e à participação política reduziram a capacidade cidadã de atuar na esfera pública e empobreceram a circulação de ideias no país", diz o diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil, Atila Roque.
Sem os direitos humanos, as torturas contra os opositores ao regime prosperaram. Até hoje a Comissão Nacional de Verdade busca dados e números exatos de vítimas do regime.
"Os agentes da ditadura perpetraram crimes contra a humanidade --tortura, estupro, assassinato, desaparecimento-- que vitimaram opositores do regime e implantaram um clima de terror que marcou profundamente a geração que viveu o período mais duro do regime militar", afirma.
Para Roque, o Brasil ainda convive com um legado de "violência e impunidade" deixado pela militarização. "Isso persiste em algumas esferas do Estado, muito especialmente nos campos da justiça e da segurança pública, onde tortura e execuções ainda fazem parte dos problemas graves que enfrentamos", complementa.
2. Censura e ataque à imprensa
Uma das marcas mais conhecidas da ditadura foi a censura. Ela atingiu a produção artística e controlou com pulso firme a imprensa.
Os militares criaram o "Conselho Superior de Censura", que fiscalizava e enviava ao Tribunal da Censura os jornalistas e meios de comunicação que burlassem as regras. Os que não seguissem as regras e ousassem fazer críticas ao país, sofriam retaliação --cunhou-se até o slogan "Brasil, ame-o ou deixe-o."
Não são raras histórias de jornalistas que viveram problemas no período. "Numa visita do presidente (Ernesto) Geisel a Alagoas, achamos de colocar as manchetes no jornalismo da TV: 'Geisel chega a Maceió; Ratos invadem a Pajuçara'. Telefonaram da polícia para o Pedro Collor [então diretor do grupo] e ele nos chamou na sala dele e tivemos que engolir o afastamento do jornalista Joaquim Alves, que havia feito a matéria dos ratos", conta o jornalista Iremar Marinho, citando que as redações eram visitadas quase que diariamente por policiais federais.
Para cercear o direito dos jornalistas, foi criada, em 1967, a Lei de Imprensa. Ela previa multas pesadas e até fechamento de veículos e prisão para os profissionais. A lei só foi revogada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2009.
Muitos jornalistas sofreram processos com base na lei mesmo após a redemocratização. "Fui processado em 1999 porque publiquei declaração de Fulano contra Beltrano. A Lei de Imprensa da Ditadura permitia isso: punir o mensageiro, que é o jornalista", conta o jornalista e blogueiro do UOL, Mário Magalhães.
3. Amazônia e índios sob risco
No governo militar, teve início um processo amplo de devastação da Amazônia. O general Castelo Branco disse, certa vez, que era preciso "integrar para não entregar" a Amazônia. A partir dali, começou o desmatamento e muitos dos que se opuseram morreram.
"Ribeirinhos, índios e quilombolas foram duramente reprimidos tanto ou mais que os moradores das grandes cidades", diz a jornalista paraense e pesquisadora do tema, Helena Palmquist.
A ideia dos militares era que Amazônia era "terra sem homens", e deveria ser ocupada por "homens sem terra do Nordeste." Obras como as usinas hidrelétricas de Tucuruí e Balbina também não tiveram impactos ambientais ou sociais previamente analisados, nem houve compensação aos moradores que deixaram as áreas alagadas. Até hoje, milhares que saíram para dar lugar às usinas não foram indenizados.
A luta pela terra foi sangrenta. "Os Panarás, conhecidos como índios gigantes, perderam dois terços de sua população com a construção da BR-163 --que liga Cuiabá a Santarém (PA). Dois mil Waimiri-Atroaris, do Amazonas, foram assassinados e desaparecidos pelo regime militar para as obras da BR-174. Nove aldeias desse povo desapareceram e há relatos de que pelo menos uma foi bombardeada com gás letal por homens do Exército", afirma.
4. Baixa representação política e sindical
Um dos primeiros direitos outorgados aos militares na ditadura foi a possibilidade do governo suspender os direitos políticos do cidadão. Em outubro de 1965, o Ato Institucional número 2 acabou com o multipartidarismo e autorizou a existência de apenas dois: a Arena, dos governistas, e o MDB, da oposição.
O problema é que existiam diversas siglas, que tiveram de ser aglutinadas em um único bloco, o que fragilizou a oposição. "Foi uma camisa-de-força que inibiu, proibiu e dificultou a expressão político-partidária. A oposição ficou muito mal acomodada, e as forças tiveram que conviver com grandes contradições", diz o cientista político da Universidade Federal de Pernambuco, Michael Zaidan.