A ex-vereadora Maria Tereza Capra (PT) durante sessão em que teve o mandato cassado da Câmara Municipal de São Miguel do Oeste (SC)
Antes de ser cassada pelos demais vereadores de São Miguel do Oeste, a vereadora petista Maria Tereza Capra (PT) foi vilipendiada e ironizada pelos colegas da cidade de Santa Catarina sob aplausos, palavras de ordem e risadas de uma plateia composta por cerca de 200 bolsonaristas. Foto: Divulgação/Câmara Municipal de São Miguel do Oeste (SC)
Maria Tereza foi cassada em 4 de fevereiro por quebra de decoro parlamentar por ter postado em seu Instagram um vídeo em repúdio a uma manifestação golpista ocorrida em 2 de novembro.
Nela, os presentes ergueram o braço direito em riste acima do rosto –gesto que foi comparado por Maria Tereza e entidades como a Conib (Confederação Israelita do Brasil) a uma saudação nazista. O placar da cassação foi de 10 votos a 1 –o de Maria Tereza.
“Na sessão eu que eu fui cassada, eles [os demais vereadores] estavam comportados. Havia advogados presentes, e a nossa turma [políticos petistas e manifestantes de esquerda] estava lá. Mas eu fiquei extremamente abalada foi com a sessão em que ocorreu a moção de repúdio, no dia seguinte à manifestação. Aquilo foi um massacre. Uma inquisição”, diz a vereadora. Caue Fonseca/Folhapress
A vereadora petista apagou o vídeo cerca de uma hora depois da publicação, segundo ela, em razão de ter recebido ameaças. Maria Tereza não compareceu à sessão no dia seguinte, em 3 de novembro, em que os vereadores se revezaram na tribuna incentivados por uma plateia de manifestantes bolsonaristas.
O áudio da sessão está disponível no site da Câmara Municipal de São Miguel do Oeste. Na ocasião, nenhum vereador atribuiu a repercussão negativa à infelicidade do gesto em si, mas sim a quem apontou a semelhança com a saudação nazista.
“Eu queria trazer aqui a irresponsabilidade da vereadora. Não só ela, mas outros esquerdistas também, que se dizem jornalistas, que de má-fé manipularam as fotos. Usaram fotos e imagens isoladas para denegrir a nossa cidade. Inclusive embaixadores de outros países se escandalizando com o que aconteceu na nossa cidade, que na verdade não aconteceu. Somos uma cidade acolhedora”, disse na tribuna o vereador Ravier Centenaro (PSD).
O vereador Vanirto José Conrad (PDT) ironizou a comparação à saudação nazista. “Ela deveria ter vergonha. Eu estou com medo de ir à missa, porque o padre vira e mexe manda erguer a mão. Eu posso ser julgado diferente. Quando ela recebeu o canudo [em sua formatura], ela não deve ter erguido a mão, ela deve ter erguido a perna, porque daí não é nazismo”.
Moacir Fiorini (MDB) sugeriu que Maria Teresa Capra deixasse a cidade. “Nós temos que retirar esse tipo de gente do nosso município. Se eu fosse ela, e graças a Deus eu não sou ela, eu pegaria o meu boné e tchau”, disse o vereador.
Fiorini também foi um dos vereadores que admitiram ter estado na manifestação golpista em que os vídeos foram gravados e que manifestou inconformismo com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na mesma fala, o vereador do MDB diz que não estar “questionando o resultado da eleição”, mas em seguida afirma que “Bolsonaro ganhou a eleição em primeiro turno, não tenham dúvida disso”.
Elói Bortolotti (PSD), depois de se dizer “ofendido” com o vídeo da vereadora, agradece aos caminhoneiros por terem iniciado as manifestações golpistas e diz acreditar “que esse bandido não vai assumir”, em referência a Lula. Em seguida, chama o ministro do STF Alexandre de Moraes de “careca vagabundo”.
Em determinado momento da sessão, o vereador Gilmar Baldissera (PP) declara que Maria Tereza “não sabe o que está dizendo”. A plateia bolsonarista se insurge, e o vereador se defende repetindo um bordão do ex-presidente Bolsonaro: “Eu não estou defendendo [Maria Tereza]. A minha bandeira jamais será vermelha. A minha bandeira é verde e amarela”.
Passada a cassação, a vereadora tece críticas ao Ministério Público de Santa Catarina, que cerca de 24 horas após a manifestação concluiu sua investigação dizendo não se tratar de um gesto nazista, mas de uma convocação para “emanar energias positivas” feita pelo locutor do evento, seguida de orações.
“Com todo respeito ao Ministério Público, poderiam ter sido ouvidas mais pessoas. Era uma oração? Mas onde é que se reza assim, com o braço em riste acima da cabeça? E a comunidade judaica, foi ouvida para saber o que ela enxergou naquele gesto?”
“Uma coisa é o que eles [os manifestantes] quiseram fazer. Outra é o que o gesto comunicou, a maneira como ele foi percebido. Obviamente é um gesto que não se faz, mas os vereadores, em vez de proporem essa reflexão, preferiram me culpar”, diz Maria Tereza.
Após a publicação do vídeo, Maria Teresa passou os 90 dias seguintes fora do município, voltando somente para a sessão que decidiu pela sua cassação.
Com a publicação do decreto legislativo que sacramentou a perda de mandato, na terça-feira (7), a vereadora pretende recorrer à Justiça pedindo “antecipação de tutela”, ou seja, que o mandato seja retomado até que a Justiça decida em definitivo.
Nesta quarta-feira (8), ela e outras quatro vereadoras catarinenses participaram de um ato na Câmara Municipal de Florianópolis denunciando ameaças de morte.
Em 3 de fevereiro, dia da cassação, ela recebeu um email de uma pessoa dizendo que “cassar seu mandato é só o primeiro passo” e que depois iria “cassar sua vida.”
O texto traz ainda ofensas, como a de que ela “nem merece ser estuprada”, frase já proferida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro a uma parlamentar quando ambos eram deputados federais.
No início de fevereiro, Maria Tereza foi incluída pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania em um programa de proteção por ser considerada vítima de violência política. O programa federal poderá oferecer escolta policial, segurança física, mapeamento de risco e ampliação da rede de proteção local, conforme a necessidade.
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