Mais expostos ou disfarçados em pratos, os insetos devem se tornar, cada vez mais, uma parte da alimentação das pessoas** Foto: Rossano Linassi / Divulgação
Quem nunca sentiu medo ou nojo ao ver um inseto? Da barata à borboleta, esse grupo de animais não faz parte da alimentação de boa parte da população do Brasil. Mas o que está por trás dessa aversão? E, afinal, quais são as vantagens de se consumir insetos, na chamada entomofagia?
Primeiramente, é importante destacar que os insetos que vemos no nosso cotidiano não devem ser iguais aos que consumimos. O chef Rossano Linassi explica que, quando produzidos para consumo, os insetos são criados em cativeiro, em condições especiais.
“O maior cuidado é impedir que [os insetos] saiam e outros entrem, com barreiras físicas”, explica Linassi. Esse bloqueio é essencial, pois impede que insetos do ambiente externo, possivelmente com doenças, contaminem os do ambiente especial.
Além disso, os insetos recebem como alimentação trigo, aveia, frutas e legumes. Os ambientes de criação também têm controle de temperatura e umidade. Segundo Linassi, a criação é tranquila, mas ainda não é barata. “As criações são pequenas e direcionadas para produção de ração. A produção pequena impacta no preço do quilo [de inseto], tornando-o mais caro. Isso ocorre por ter poucos produtores grandes e uma produção mais manual”, destaca o chef.
Atualmente não há nenhuma lei que proíba o consumo de insetos por humanos no Brasil, mas também não há uma legislação específica sobre o assunto. No geral, a maior parte dos criadores volta-se para a produção de ração, devido à baixa demanda por parte de consumidores humanos.
Casé Oliveira, chef de cozinha e presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Insetos (Asbraci), explica que, como qualquer outro alimento, os insetos ficam sujeitos a leis de padrão de qualidade e boas práticas de manipulação. Quando usados em restaurantes e outros estabelecimentos comerciais, a fiscalização da qualidade dos insetos fica a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Já quando os insetos são usados como componentes de alimentos industrializados, prática mais comum do que imaginamos, o produto, e toda sua composição, é enviado à Anvisa e analisado. “Essa comprovação é uma obrigação do fabricante que deve apresentar à Anvisa um dossiê técnico-científico com as informações necessárias para a avaliação, incluindo dados de avaliação toxicológica e potencial alergênico”, explica a Anvisa em nota enviada para o E+.
“Hoje comemos [insetos] de forma involuntária, não sabemos que está na composição”, explica Casé Oliveira, se referindo aos alimentos industrializados. Dentre os alimentos que podem possuir insetos na composição, Oliveira destaca: “Todos os produtos industrializados com corantes orgânicos de cor rosa, vinho ou púrpura, têm o corante carmim, feito de inseto. Em suco de caixinha é muito usado. [Insetos] Já estão no nosso dia a dia, como na maquiagem por exemplo”.
Na opinião do chef, um ponto importante é sempre olhar os rótulos dos produtos que estamos comprando, entretanto não é incomum que empresas tentem mascarar a presença de insetos, substituindo o nome dos animais pela classificação técnica dos componentes.
Os benefícios de incluir insetos na alimentação
Para o chef Rossano Linassi o principal benefício que a alimentação com insetos traz é a grande quantidade de proteínas no alimento. “Em geral, em cem gramas de alimento, a carne bovina tem em torno 23% de proteína, a de frango tem 30, 40%, já os insetos têm em média 50, 60% de proteínas, mesmo considerando variações das espécies e fase de desenvolvimento”, comenta. Além disso, eles possuem grandes quantidades de vitaminas, minerais e gorduras boas. A proteína dos insetos também tem maior facilidade de absorção pelo corpo, podendo ser melhor aproveitada.
Outro ponto importante está ligado à questão ambiental. Os insetos demandam menos recursos, como a água, e têm uma contribuição para o aquecimento global, com liberação de algum gás de efeito estufa, muito menor que a de outros animais, como o gado bovino. “Hoje a grande maioria dos grãos produzidos são usados para alimentar animais, mas poderiam ser reaproveitados. O inseto é eficiente na conversão de biomassa, produz muito com pouco”, destaca Casé Oliveira.
O chef também destaca as altas quantidades de ferro, cálcio e ômega 3 presentes na maioria das espécies de insetos, capazes de substituir fontes importantes desses nutrientes, como o espinafre ou o salmão.
No geral, os riscos de consumir insetos estão ligados aos riscos de se consumir qualquer alimento mal preparado ou contaminado. “Como qualquer animal, o inseto tem que ser criado para a alimentação, evitando contaminação e em um ambiente apropriado”, comenta Casé. Além disso, apesar da proximidade evolutiva com os crustáceos, os insetos podem ser consumidos por alérgicos a camarão, pois possuem proteína semelhante a de bovinos e que não desperta a reação alérgica.
Outro fator que Rossano Linassi aponta é que, com um aumento da demanda humana, o preço do quilo de inseto teria uma grande diminuição. Essa tendência foi observada em países que incentivaram o aumento de consumo de insetos ou de produtos que possuem insetos, como na Europa, tornando o alimento mais acessível.
Tanto Linassi quanto Oliveira concordam que o principal fator que impede um aumento de consumo de insetos no Brasil é a questão cultural. “Temos uma visão negativa dos insetos. Associamos eles ao exótico e o exótico à ameaça”, opina Casé. Como associamos os insetos ao lixo, sujeira ou naturalmente temos aversão às suas patinhas ou olhos, acabamos evitando consumi-los.
Mas essa não é uma realidade global. Países do leste asiático, como a China e o Vietnã, possuem uma alta taxa de consumo de insetos, bastante integrados à culinária local. O cenário de baixo consumo também não serve para todos os países ocidentais.
O México possui um grande histórico de consumo de insetos, em especial grilos, que são consumidos no dia a dia da população. A Europa tem incentivado o aumento do consumo de insetos, com a União Europeia investindo na liberação e produção de leis sobre o tema. Hoje, os insetos fazem parte da alimentação de, aproximadamente, dois bilhões de pessoas.
Outro ponto que Casé destaca é que, historicamente, o consumo de insetos já foi uma tradição no Brasil, em especial no período anterior à colonização brasileira, quando as populações indígenas tinham um consumo grande desses animais. Até hoje algumas regiões do Brasil mantêm o hábito de consumir algumas receitas que levam insetos.
“No Brasil, a tanajura [tipo de formiga] é bastante consumida, em especial no Norte e Nordeste. No Sudeste, a região do Vale do Paraíba tem ofertas de pratos com insetos em restaurantes. Uma cidade no Ceará teve até um festival para a tanajura. Na Amazônia, tem grande consumo de cupim e formiga, por populações nativas e ribeirinhas”, comenta.
Um elemento chave para superar essa aversão, o que Rossano Linassi chama de “associação com a barata que vemos em casa”, pode estar na produção de alimentos feitos a partir de insetos, sem que eles estejam lá de forma visual. Os insetos podem ser triturados e usados como farinha em pães, biscoitos e outras massas, por exemplo.
“Isso descaracteriza o inseto. Estimula o consumidor. Quando os insetos estão disfarçados ou não aparecem tanto, as pessoas comem mais”, ressalta Linassi. Casé Oliveira vai na mesma linha: “O ideal é mostrar à população os benefícios do consumo e trabalhar os insetos como componente e não como ingrediente. Preferimos uma mentira agradável a uma verdade inconveniente”.
Para Casé, o aumento de consumo de insetos deve se tornar uma tendência global e algo inevitável. “Hoje há a linha de sobrevivência da humanidade com uma escassez de recursos naturais. Temos que reconsiderar nosso cardápio, até por isso. Sem mudar o cardápio, corremos o risco de comprometer o futuro da raça humana”, comenta.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) elencou os insetos como auxiliares no combate à fome, sendo importantes para a chamada segurança alimentar dos países no mundo.
O chef opina que é importante que o consumo de insetos seja integrado a nossa cultura, mas isso deve ocorrer aos poucos, e o uso de insetos como farinha, por exemplo, é um bom caminho inicial. E Rossano Linassi vai na mesma linha:
“O interesse por insetos tem sido crescente, as pessoas andam com mais abertura e menos preconceitos, novos espaços têm sido abertos. O tema progrediu muito, mas tem um longo caminho pela frente. É uma cultura que a gente não tem, mas precisa mudar a forma como as pessoas veem o inseto, de negativo para positivo”, afirma. Emais – Estadão
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