Cara presidente,
Como avó de um menino de três anos, a senhora voltou a se inteirar do universo infantil. Mesmo sendo tão ocupada, a senhora não só brinca com ele mas ouve de sua filha as últimas do Gabriel. A senhora obviamente já conhece músicas da Galinha Pintadinha, deve ter sido apresentada à porquinha Pepa, esses personagens que as crianças pequenas adoram. A essa altura, a senhora também deve ter ouvido falar de uma criança ou outra com algum tipo de alergia alimentar, talvez um amiguinho do seu neto, um primo... É muito comum. Parece uma epidemia. É um tal de criança que não pode tomar leite, ou leite de soja, ou amendoim, ou ovo, ou outra coisa qualquer sob risco de apresentar muitos efeitos colaterais. Estima-se que 30% dos brasileiros apresentem algum tipo de alergia, desses aproximadamente 20% são crianças. Estamos falando, presidente, de 12 milhões de crianças.
O pior é que muitas dessas crianças manifestam a versão grave da alergia, a anafilaxia. Provocada por alimentos, remédios e até picada de insetos, pode evoluir para choque anafilático em questão de segundos e levar à morte. Os pais precisam estar muito atentos. Eles são obrigados a ler rótulos para identificar se naquele biscoito, naquele bolo, naquele hambúrguer tem algo que o filho não pode comer. O problema é que nossos rótulos não falam o suficiente. Mentem e pecam por omissão. Descobri isso na prática. Minha filha mais velha tem 8 anos e desde os quatro tentamos evitar que ela coma alimentos com traços de leite, soja e carne vermelha. Ela é o que se chama alérgica não-mediada, porque apresentará os sintomas dias depois da ingestão do alimento proibido. Eles não são graves, mas, como ela mesmo diz, “são muito chatos“ por incluir cólica, gases, dor de barriga. Há casos de crianças que vomitam e apresentam sangue nas fezes. Eu já vi minha filha chorar de dor e, como mãe, a senhora deve imaginar como isso me feriu por dentro. Muitas vezes eu fico me perguntando o que causou a última crise. E muitas vezes eu não sei. Soube por outra mãe mais bem informada que o fermento usado lá em casa contém traços de leite, embora o rótulo não diga. Toda vez que eu compro um biscoito novo para ela experimentar, fico na dúvida se a “margarina vegetal“ listada entre os ingredientes é simplesmente gordura vegetal ou alguma daquelas margarinas de mercado vetadas na dieta dela por conter leite. A senhora sabia que margarina, produzida a partir de gordura vegetal, leva leite? Eu só descobri depois de ser obrigada a ler rótulos. E manter uma dieta correta é um primeiro passo essencial rumo à cura. Sem limpar o organismo dela, não vou conseguir desensibilizá-la. Há chances que isso aconteça.