A Constituição de 88 obrigou todo município com mais de 20.000 habitantes a ter um plano diretor.
Embora seja um instrumento urbanístico antigo, tal fato o reinseriu na agenda política urbana, ainda mais quando o Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, determinou que as cidades que ainda não têm plano o produzam em 5 anos.
O plano diretor é um conjunto de diretrizes urbanísticas destinadas a organizar a ocupação e o uso do espaço urbano. Define as políticas públicas urbanas, como os transportes, o zoneamento, a provisão de habitações de interesse social, etc. Aparentemente, sua obrigatoriedade foi um avanço na direção de cidades mais democráticas e justas. Mas, como qualquer instrumento de política pública, o plano diretor pode ter inúmeras feições. Por exemplo, ele vem sendo usado há tempos nas grandes cidades como um instrumento dos interesses da burguesia.
A tradição urbanística brasileira, calcada em um Estado estruturado para ratificar a hegemonia das classes dominantes, sempre tratou os planos diretores por um viés tecnicista que os tornavam herméticos à compreensão do cidadão comum, mas eficientes em seu objetivo político de engessar as cidades nos moldes que interessavam às elites. Nas grandes capitais, foram produzidos calhamaços técnicos nada democráticos, que serviram, por exemplo, para estabelecer uma rígida regulamentação nos bairros ricos, ou priorizar a construção de mais e mais avenidas (em detrimento dos transportes públicos), enchendo os bolsos de políticos inescrupulosos e dos especuladores imobiliários. Em compensação, os Planos Diretores nada fizeram para a enorme parte da população excluída da chamada “cidade formal”, porque isso não interessava às classes dominantes.
Apesar disso, planos diretores podem ser um instrumento eficaz para inverter a injusta lógica das nossas cidades. Mas, para isso, não devem ser um ementário de tecnicismos, mas um acordo de toda a sociedade para nortear seu crescimento, reconhecendo e incorporando em sua elaboração as disputas e conflitos que nela existem. Só assim, surgido de um amplo e demorado processo participativo, o plano diretor pode se tornar um ponto de partida institucional para que se expressem todas as forças que efetivamente constroem a cidade. Se toda a população – e não apenas os setores dominantes – apreender o significado transformador do plano, cobrará sua aprovação e fiscalizará sua aplicação, transformando-o em uma oportunidade para conhecer melhor seu território e disputar legitimamente seus espaços. Infelizmente, exemplos como o da nossa maior metrópole, onde as conseqüências urbanas da fratura social brasileira se expressam mais acintosamente, mostram que os planos ainda podem resultar de uma apressada montagem em gabinetes, visando apenas transformá-los, o mais rápido possível, em fatos políticos.
Nas pequenas e médias cidades brasileiras, a perspectiva é mais animadora, pois a mobilização da população para um processo participativo é mais simples, e por isso planos diretores democráticos podem ter enorme efeito. Ainda mais porque se sabe que grande parte delas ainda não têm planos.
Mas para isso, prefeitos não podem ceder ao “mercado de planos”, criado por urbanistas interessados em vender “pacotes técnicos” que nem se preocupam em assimilar as disputas sociais existentes. O trabalho desses profissionais só será útil se for para auxiliar na elaboração de planos que incorporem os verdadeiros conflitos, pondo em prática uma nova maneira de se planejar a cidade.
João Sette Whitaker Ferreira é professor da FAUUSP
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