A data nasceu de um projeto aprovado pelo Senado e Câmara dos Deputados, e assinado em novembro de 1924 pelo presidente Arthur Bernardes
Foto: Biblioteca Nacional Digital/assessoria
O Dia da Criança no Brasil, lembrado em 12 de outubro, completa 100 anos de criado. A data nasceu de um projeto que foi aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, e assinado como decreto em novembro de 1924 pelo presidente Arthur Bernardes. O nome era “Festa da Criança”.
Era uma época em que a infância não tinha direitos e as crianças pobres em geral não frequentavam a escola, eram obrigadas a trabalhar, vagavam em bandos pelas cidades e, detidas por algum crime ou mera vadiagem, iam para a cadeia.
Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que a ideia original do Dia da Criança partiu do 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância e do 3º Congresso Americano da Infância, que foram realizados no Rio de Janeiro em 1922 como um único evento e fizeram parte dos festejos do centenário da Independência do Brasil.
A coincidência do Dia da Criança com a data do Descobrimento da América teve o objetivo de associar a imagem da nova geração à chegada de Colombo ao novo mundo e, assim, induzir todos os países americanos participantes do congresso no Rio a adotar a mesma data. O objetivo, entretanto, não foi alcançado, já que cada país hoje celebra o Dia da Criança numa data diferente. Na maioria dos países, a data atende aos interesses comerciais dos fabricantes e das lojas de brinquedos.
Antes de 1924, no Brasil, o Dia da Criança era comemorado informalmente em 2 de outubro, data em que a Igreja Católica celebra o Dia dos Anjos da Guarda. Organizador dos dois congressos de 1922 e precursor das políticas de proteção à infância no Brasil, o médico carioca Carlos Arthur Moncorvo Filho produziu material educativo alertando as mães para a ameaça das moscas à saúde, criticando o uso de mamadeiras de metal e chupetas, e defendendo o consumo de leite pasteurizado, que era novidade na época.
O historiador James Wadsworth, professor da Faculdade Stonehill, nos Estados Unidos, e pesquisador da assistência à infância brasileira, lembra que foi nesse momento de urbanização rápida, industrialização, imigração, epidemias, alta mortalidade infantil e agitação social e política (estouraram a Revolta da Vacina, greves operárias e rebeliões tenentistas) que surgiu o discurso de que as crianças eram “o futuro da nação”.
O que diz a história – Na Mensagem Presidencial remetida ao Congresso Nacional em 1913, o presidente Hermes da Fonseca bateu na mesma tecla do trabalho. Ele pediu aos senadores e deputados que nesse ano dedicassem “atenção e carinho” ao problema da infância abandonada.
“Existem [no Rio] nuvens de pobres crianças que se perdem na vadiagem e no vício. Meninos e meninas que amanhã podem ser homens e mulheres úteis à sociedade estão destinados a uma vida de crimes, tornando-se elementos deletérios no meio da comunhão, porque não encontraram quem lhes desse a educação e os meios hábeis de ganhar honestamente a vida. É preciso que os poderes públicos olhem para esses abandonados, que ainda podem e devem ser elementos preciosos de trabalho e progresso”, escreveu o presidente.
Em 1916, o senador João Luiz Alves (ES) pediu que fosse registrado nos anais do Senado um artigo do estatístico maranhense Oziel Bordeaux Rego a respeito da importância de se oferecer escola às crianças pobres, direito que ainda não existia.
“Não é uma elite de sábios que faz a fortuna das nações, mas a grande massa anônima, a massa que lavra nos campos, que trabalha nas oficinas, que propaga a riqueza pelo comércio e navegação. O analfabetismo é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento de nossa capacidade econômica e à definitiva integração do proletariado na sociedade brasileira”.
O Arquivo do Senado guarda dados estatísticos da polícia do Rio de Janeiro que hoje são estarrecedores. Dos quase 17 mil criminosos que foram mandados para as cadeias da capital do país entre 1907 e 1915, perto de 250 tinham entre 9 e 15 anos de idade.
Nota do jornal A Noite publicada em 1915 noticia prisão de “pivete de 12 anos”
Projeto de lei – Em 1917, o senador Alcindo Guanabara (DF) apresentou um projeto de lei que estabelecia uma série de normas para lidar com as crianças e os adolescentes abandonados e infratores. Uma das medidas era deixar de trancafiá-los nas cadeias, onde dividiam espaço com adultos criminosos, e passar a enviá-los, provisoriamente, para “depósitos de menores” e, depois de julgados, para reformatórios, onde seriam treinados para o mundo do trabalho.
Pelo projeto de Guanabara, o treinamento seria para atividades de baixa qualificação. Os meninos poderiam se tornar cuidadores de horta, alfaiates, funileiros, carpinteiros ou encadernadores, por exemplo. As meninas, por sua vez, poderiam ser capacitadas para trabalhar como costureiras, engomadeiras, lavadeiras, cozinheiras ou criadoras de galinhas.
O projeto do senador Alcindo Guanabara não foi aprovado. No entanto, uma década mais tarde, justamente no Dia das Crianças de 1927, por influência dos dois congressos de proteção da infância realizados no Rio de Janeiro em 1922, uma proposta com conteúdo semelhante, depois de passar pelo Senado e pela Câmara, foi assinada pelo presidente Washington Luís.
Trata-se do Código de Menores, a primeira grande lei brasileira destinada a crianças e adolescentes. Entre outras mudanças, elevou a maioridade penal para 18 anos (era aos 9 anos até 1922 e então passou aos 14 anos) e criou um juizado específico para decidir o destino dos menores abandonados ou delinquentes.
A lei de 1927 também proibiu o trabalho antes dos 12 anos, acabou com a roda dos expostos (roleta embutida na fachada de instituições de caridade que permitiam o abandono de bebês) e, claro, criou reformatórios com cursos profissionalizantes. De acordo com o historiador James Wadsworth, da Faculdade Stonehill, a preocupação da elite brasileira com a infância pobre na época da criação do Dia da Criança tinha componentes machistas.
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