Coordenador da Rede de Observatórios da Segurança, organização responsável pelo levantamento, conversou com o G1.
Foto: Clériston Santana/TV Bahia
O levantamento anual feito pela Rede de Observatórios da Segurança aponta que 96,9% das pessoas com cor e raça informadas, assassinadas pela Polícia Militar da Bahia, em 2019, eram negras: das 489 vítimas por intervenção policial identificadas, 474 eram pretas ou pardas.
Os dados foram publicados pela Rede nesta sexta-feira (9). Além da Bahia, a organização analisa dados de outros quatro estados: Ceará (87,1% de negros assassinados pela PM), Pernambuco (93,2%), Rio de Janeiro (86%) e São Paulo (62,8%).
O coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, que é co-fundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD) e historiador, Dudu Ribeiro, avalia que a política de guerra às drogas, instituída pelo Estado brasileiro, é um dos fatores que contribuem para a autorização do cerceamento de vidas negras.
“A política de guerra às drogas talvez seja o conjunto mais sofisticado que permite a produção de morte, o altíssimo encarceramento e a estigmatização da população negra, a partir de um conjunto de ideias que estão presentes e são constantemente reproduzidas às diversas instituições, não apenas ligadas à segurança pública, mas muitas vezes nas instituições ligadas à saúde”, ponderou ele.
“Também na nossa produção de discursos jornalísticos. Essa guerra às drogas é a grande legitimadora do século XXI, do altíssimo índice de produção de mortes operadas pelo Estado”, disse Dudu Ribeiro.
Além de ineficaz, já que não se há um controle do tráfico por parte do Estado, a política de guerra às drogas também atinge pessoas negras que não fazem parte do ciclo de consumo e venda de materiais ilícitos, impactando também a vida de suas famílias.
Um desses casos aconteceu no bairro de São Marcos, em agosto de 2019. Denilson Santana de Jesus, de 15 anos, foi assassinado por policiais militares após jogar futebol com os amigos. Quando foi morto com nove tiros, o adolescente seguia o principal conselho da mãe: não correr quando a polícia chegar.
“É a partir do discurso de guerra às drogas que territórios são ocupados e que famílias são destruídas, que pessoas são encarceradas. Uma parte significativa da população negra, que não consome substâncias psicoativas tornadas ilícitas ou as comercializa, é afetada a partir da criminalização do seu território, e também são afetadas porque esse modelo de guerra determina, no poder público, o direcionamento dos investimentos”, avalia Dudu Ribeiro.
“Os territórios negros recebem um altíssimo investimento do ponto de vista da segurança pública, com disponibilidade de armas, policiais e viaturas, em detrimento de produção de cidadania e garantia de direitos sociais”.
Também em Salvador, há oito dias que equipes da Polícia Militar estão em uma operação contra o tráfico de drogas no complexo do Nordeste de Amaralina – formado pelos bairros da Santa Cruz, Chapada do Rio Vermelho, Vale das Pedrinhas e Nordeste.
Nesta operação, que também é uma ação da guerra às drogas, moradores reclamam, principalmente da truculência de policiais militares com crianças e adolescentes. Outros, reclamam da privação do direito de ir e vir.
“A guerra às drogas é um ‘sucesso’ porque, durante todo o século XX e XXI, SE demonstrou, em diversos episódios da história sua intencionalidade, como mecanismo de produção de controle, de vigilância, de punição, de distribuição desigual de oportunidades de vida, de rastreamento das pessoas e de limitação da sua capacidade de exercício pleno de cidadania”, explica Dudu.
“O modelo de guerra às drogas não pode ser considerado um fracasso, porque o modelo de guerra às drogas não foi produzido para proteger a saúde das pessoas”.
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