Editorial, Estadão
Com dinheiro curto e péssimas condições de emprego, as famílias continuam comprando com muita moderação e esse cuidado se reflete na inflação contida: ficou em 0,19% a alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no mês passado. Em junho a taxa havia sido quase nula, de 0,01%, mas, apesar da aceleração, a de julho foi a menor para esse mês em cinco anos.
Diante do consumo fraco e dos preços bem comportados, é fácil manter a aposta em novo corte dos juros básicos na próxima reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), programada para setembro. No dia 31 de julho o comitê baixou a taxa básica, a Selic, de 6,50% para 6%, em mais um lance para facilitar a recuperação da atividade econômica e, adiante, a criação de empregos.
Por enquanto, as estimativas convergem para uma expansão econômica igual ou pouco superior a 0,80%, neste ano, com inflação oficial em torno de 3,80%, bem abaixo da meta oficial de 4,25%, e juros básicos de 5,25%. Números como esses têm aparecido na pesquisa Focus, consulta realizada semanalmente pelo BC a economistas de instituições financeiras e consultorias.
De janeiro a julho o IPCA, principal medida oficial de inflação, subiu 2,42%. Em 12 meses a alta ficou em 3,22%. Pelo mesmo critério o aumento acumulado até junho havia sido pouco maior, 3,37%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Se dependesse da procura de bens e serviços no mercado, a inflação teria sido nula em julho. Quase toda alta de preços foi independente do comportamento dos consumidores. O aumento mais importante, de 1,20%, ocorreu nos componentes do item habitação. O custo da energia elétrica foi afetado pela incidência da bandeira tarifária amarela, com as contas de luz subindo em média 4,48%. Além disso, a conta de água ficou 0,73% mais cara, por causa das mudanças de preços em Salvador, Goiânia, Porto Alegre e Recife.
As elevações de preços no grupo habitação tiveram impacto de 0,19 ponto porcentual na formação do resultado. As variações positivas e negativas dos demais itens, muito pequenas, anularam-se mutuamente. O efeito geral foi a alta de 0,19% do IPCA.
Esse dado é muito significativo: a inflação registrada em julho refletiu os aumentos de preços monitorados, dependentes do poder público e determinados exclusivamente no lado da oferta, sem depender do comportamento dos consumidores.
A inflação mais intensa nos primeiros meses do ano foi consequência de um verão muito desfavorável à produção de vários alimentos. Normalizada a oferta desses produtos, os preços se acomodaram e a inflação recuou. Em junho, os preços do item alimentação e bebidas diminuíram em média 0,25%. Em julho, aumentaram apenas 0,01%, ficando, portanto, praticamente estáveis.
Esse item corresponde a cerca de um quarto das despesas mensais, no orçamento usado como referência para o cálculo do IPCA. Este indicador resume a variação geral dos preços de consumo pagos pelas famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos por mês. O IBGE calcula também a inflação das famílias mais pobres, com ganho mensal entre um e cinco salários mínimos, medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Esse indicador subiu 0,10% em julho, 2,55% no ano e 3,16% em 12 meses. Para esse grupo, os alimentos ficaram 0,05% mais baratos no mês passado. Os demais itens subiram 0,17%.
As famílias de baixa renda são certamente as mais sacrificadas pelas condições muito ruins de emprego. Mas todas, ou quase todas, vivem certamente dificuldades enormes, quando a soma dos desempregados, subempregados e desalentados chega a 25,1 milhões de pessoas, um fato até agora tratado quase com menosprezo pelo atual governo. Se a cada um desses indivíduos corresponderem dois familiares, a conta mostrará mais de 75 milhões de pessoas em condições muito difíceis – um grupo superior a um terço da população do Brasil. Dificilmente se chegará a um crescimento econômico mais veloz e duradouro sem reconduzir essa multidão, quase uma Alemanha, ao mercado de consumo.
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