Por Daniela Arcanjo | Folhapress
O CNE (Conselho Nacional Eleitoral), órgão que anunciou a contestada vitória do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, na eleição celebrada no último domingo (28), carrega um histórico de manobras para prejudicar a oposição nos últimos anos.
A origem da entidade remonta a dezembro de 1999, quando Hugo Chávez conseguiu aprovar, com um referendo realizado um ano após sua chegada ao poder, a Constituição que desenharia a estrutura institucional da era chavista até hoje em vigor no país.
A carta determinaria a criação de cinco Poderes na Venezuela, não três, como a maioria dos países. Assim, ao Executivo, Legislativo e Judiciário, comuns nos Estados atuais, somaram-se os Poderes Cidadão e Eleitoral --este último exercido pelo CNE, que fora criado em 1997 para substituir o Conselho Supremo Eleitoral.
A premissa que justificou essa e outras transformações naqueles primeiros anos de chavismo foi a implementação da democracia participativa no lugar da democracia representativa, um dos motes do líder de esquerda. Nestes 25 anos, porém, o órgão foi acusado de várias irregularidades pela oposição e grupos da sociedade civil.
De acordo com a Constituição, o CNE deve ser composto por cinco membros titulares para um cargo de sete anos que não sejam vinculados a organizações com fins políticos. Três pessoas seriam representantes da sociedade civil, uma, do Poder Cidadão, e outra das faculdades de ciências jurídicas e políticas do país, em nomeações que deveriam ser feitas pela Assembleia Nacional.
De 1999 a 2020, a composição do órgão foi realizada em completo acordo com a legislação do país apenas uma vez, de acordo com a imprensa local. Foi em 2006, não por acaso um ano após a oposição boicotar as eleições parlamentares justamente por falta de confiança no CNE, o que fez o regime conquistar ainda mais cadeiras no Legislativo.
A regra foi quebrada de diversas formas, mas, na maioria das vezes, o Tribunal Supremo de Justiça declarou inconstitucional a omissão legislativa em nomear os membros e tomou para si a tarefa, no que é visto como um extrapolamento de funções da corte.
A questão central é que o órgão nunca teve minoria chavista --desde que foi criado, pelo menos três nomes sempre são ligados ao regime.
Em 2021, sob intensa pressão internacional e à frente de um país fragilizado pela grave crise econômica que já se estendia por mais de dez anos, o regime cedeu e a oposição conseguiu, em uma eleição feita pela Assembleia, emplacar dois representantes no conselho. Foi a maior proporção que a oposição havia conseguido no órgão em quase duas décadas.
No mesmo ano, em mais um aceno à comunidade internacional para tentar encerrar sanções econômicas, a Venezuela permitiu pela primeira vez em 15 anos a presença de observadores eleitorais de fora do país, como a União Europeia. Embora tenha indicado "melhores condições" no pleito, o bloco relatou a persistência de desigualdades no acesso aos recursos estatais para campanha e na exposição midiática.
Em 2023, durante a preparação para as eleições deste domingo, o processo de escolha foi parecido e novamente manteve-se a presença de dois membros da oposição e três ligados ao chavismo. Em junho, porém, o arranjo desandou.
Dias após a PUD (Plataforma Unitária Democrática), principal aliança da oposição, solicitar assistência técnica ao órgão para fazer suas eleições primárias e escolher o candidato antichavista, o órgão manobrou para, aparentemente, tentar barrar o processo.
Os chavistas no órgão renunciaram a seus cargos, o que na prática impedia as atividades por falta de quórum. Na ocasião, o presidente do conselho, Pedro Calzadilla, disse que queria "facilitar a formação de um novo CNE" que representasse "o consenso e as aspirações dos setores democráticos do povo venezuelano".
Por fim, as primárias que, em outubro do ano passado, escolheram a líder opositora María Corina Machado para concorrer contra Maduro foram realizadas sem assistência técnica do conselho e enfrentaram uma série de problemas logísticos.
Uma semana depois, a Justiça venezuelana suspendeu os resultados devido a alegações de fraude vindas da ditadura, que até hoje não reconhece a votação. Inabilitada politicamente pelo regime, Machado não pôde concorrer e foi substituída por Edmundo González, declarado derrotado por Maduro no pleito.
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