Jornalista algum quer se embolar nos portões do Palácio da Alvorada
Mary Zaidan
Em mais um gesto dirigido a seus fiéis, o presidente Jair Bolsonaro soltou a máxima da semana – e olha que os dias já estavam recheados delas. “Enquanto não começar a divulgar a verdade, não vamos mais falar com a imprensa.” Associado às mentiras que desfiou durante a live da quinta-feira, dia 5, o plural majestático da “ameaça” pôs maior ênfase no já sabido: Bolsonaro escolheu não discernir entre obrigação e devoção, dever e prazer. Por conveniência, má-fé ou ambos.
Jornalista algum quer se embolar nos portões do Palácio da Alvorada para ouvir as estultices do presidente sob os aplausos da claque. Fazem isso não por gosto (cada vez mais a contragosto), mas por obrigação profissional. Algo que o chefe da nação insiste em demostrar que não respeita e, mais grave, não tem.
É difícil imaginar investidores apostando em um país cujo presidente joga para um palhaço imitador a resposta sobre o PIB de 2019, muito aquém do esperado. Que patrocina o uso de veículo oficial da Presidência para um humorista fazer chacota com jornalistas.
Só mesmo em uma república de bananas – literalmente. Ou bolsonarista, onde até o ministro da Economia, Paulo Guedes, tido como equilibrado, perde-se em desatinos um atrás do outro. Depois das empregadas na Disney, o da vez foi dizer que o dólar poderá chegar a R$ 5 se ele “fizer muita besteira”.
A afirmação ferveu os nervos do mercado, já que asneira é algo que esse governo produz aos borbotões.
Quando escorrega – e não foram poucas as vezes em que o fez –, Guedes tenta atribuir o erro ao “fora do contexto”. Quando não dá, pede desculpas. O padrão de Bolsonaro é outro. Se suas ações ou falas provocam desagrado, ele culpa a imprensa, agora acusada também de não ter “espírito de humor esportivo”.
Bolsonaro foge da obrigação de governar o país, mas exige devoção cega. Exime-se de seu dever e se diverte, por horas a fio, em espalhar intrigas pelas redes sociais.
Na mesma live, buscou ganhar pontos com policiais, público que ele tem a pretensão de manter cativo. Disse que paralisação da PM do Ceará foi greve e não motim. Mesmo com policiais encapuçados, baleando um senador e mandando fechar o comércio.
De novo, o problema não foi o motim, que deixou um saldo de 241 pessoas assassinadas – sobre as quais Bolsonaro não disse uma só palavra -, mas o fato de a imprensa, segundo ele, se referir ao movimento como motim. Só para persegui-lo. “Nos governos anteriores falava em greve”, reclamou.
Mentira deslavada ao alcance de um Google. Em 2017, por exemplo, a revista Veja noticiava “Termina o motim da PM no Espírito Santo”, o jornal O Globo e a TV Globo, tão odiada por ele, informavam: “Comando da PM abre inquéritos contra 300 policiais por motim”.
Mas não há novidade alguma em apontar mentiras de Bolsonaro. Como diz o jornalista Carlos Andreazza, mentir é parte do método.
Fascinante mesmo seria inverter a “ameaça”: enquanto Bolsonaro não falasse a verdade, a imprensa não mais falaria com ele.
Sem poder alimentar bajuladores e a militância digital com os impropérios que dispara contra jornalistas, e sem atribuir à imprensa todas as culpas pelo seu despreparo e inapetência para governar, o capitão perderia o discurso, ficaria nu. O método seria derrubado, o script alterado. Perturbaria a campanha e as chances em 2022.
Sem jornalistas Bolsonaro não existe.
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