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sábado, 23 de março de 2019

Preconceito e desconhecimento dificultam tratamento de pacientes com derivados da 'maconha' na Bahia

O número de doenças que podem ser tratadas com canabidiol (CBD) cresceu 500% nos últimos dois anos. A informação foi compartilhada pelo médico Junior Gibelli durante palestra no evento “Cannabis Medicinal, uma opção de tratamento”, realizado na última terça-feira (19), em Salvador.

De acordo com o profissional, a epilepsia foi uma forma “estratégica e comercial” de alcançar a aprovação do CBD, o que abriu espaço para a prescrição da substância para tratamento de outras patologias, como esclerose múltipla, fibromialgia e Parkinson. 

“Em 2014, quando a Anvisa autorizou a prescrição, era unicamente para epilepsia. Depois disso, começamos a trazer pesquisas que já tinham sido feitas em outras partes do mundo demonstrando que a epilepsia é só uma das patologias que o canabidiol pode tratar porque o seu mecanismo de ação é homeostase, ou seja, o equilíbrio dos sistemas do nosso corpo”, explicou em entrevista ao Bahia Notícias.

Gibelli é diretor de assuntos médicos na HempMeds Brasil, primeira empresa autorizada a importar canabidiol no país e responsável pela realização do encontro. O médico afirmou que a Bahia foi escolhida como palco para a discussão pela ausência de médicos que saibam ou até mesmo queiram prescrever a substância. Muitas vezes, segundo ele, pacientes do estado entram em contato com a empresa em busca de indicações de profissionais locais.

“Muitas vezes os médicos nem sabem [o que é CBD], e essa falta de informação tem trazido um ônus muito grande para a sociedade baiana, porque nós temos pacientes que poderiam se beneficiar muito com um tratamento com canabidiol porque são refratários (resistentes) a tudo que o médico tentou. Se não tenho um médico que saiba prescrever, como esse paciente vai ter acesso?”.

CANABIDIOL NO BRASIL
Nos últimos anos, produtos derivados da Cannabis sativa foram prescritos por mais de 800 médicos brasileiros. Segundo levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, divulgado em maio de 2018, 4.617 indivíduos já têm autorização para importar o produto para uso próprio. 

O marco para o início dos tratamentos legais aconteceu em 2014, quando a Justiça autorizou a importação do medicamento para Anny Fischer, na época com cinco anos. Ela sofre de uma forma grave de epilepsia e chegava a apresentar de 30 a 80 crises convulsivas por semana antes do tratamento com CBD.

Presente no evento, a mãe de Anny, Katiele Fischer, afirmou que precisou enfrentar muitos preconceitos de outras pessoas e até mesmo internos. “Minha criação foi assim: fui ensinada que, quando a pessoa fuma maconha, ela vai sair roubando, matando”, contou à plateia. No entanto, ao descobrir que a filha reagia de forma tão positiva à substância, percebeu que a realidade é completamente diferente e se tornou uma militante no assunto.

A atriz Claudia Rodrigues também deu seu depoimento sobre os benefícios do CBD. Diagnosticada com esclerose múltipla em 2000, ela disse que a substância foi responsável por uma redução significativa do tremor nas mãos. “Soube do CBD por uma amiga cuja mãe tinha mal de Parkinson. Iniciei o uso em março do ano passado. Eu tomo um remédio muito forte que trinca minha boca, parece que estou drogada. Com o canabidiol, eu relaxo. Faz uma diferença enorme”, relatou.

Questionada sobre a visão da classe artística sobre o assunto, Claudia ressaltou que é importante diferenciar o uso recreativo do medicinal. Ainda assim, afirmou que toda militância em torno da descriminalização é positiva. “Se você gosta para brincar, tem gente que precisa, então levanta essa bandeira mesmo”.

De acordo com o advogado Ricardo Handro, a atual luta no Brasil é pela regulamentação do CBD. Para isso, ele diz que só faltam “vontade política, clareza e foco no interesse público”. “A aprovação do canabidiol no Brasil já ocorreu. Nós temos hoje a possibilidade de importação direta por todo paciente que pode ter uma receita médica de qualquer especialidade. O caminho de acesso já existe, mas a via de importação direta traz transtornos logísticos, operacionais e custos. A regulamentação poderia tornar esse processo mais rápido, barato e eficiente”.

Apesar de celebrar as conquistas já alcançadas no Brasil, o advogado criticou ainda decisões da Justiça que autorizam cultivo doméstico de Cannabis para uso medicinal, pela ausência de parâmetros específicos para o tratamento. “A luta pelo acesso à medicina e essas decisões são vitórias dessas famílias, mas nunca poderemos imaginar que o caminho de acesso à medicina é uma autorização judicial na qual a pessoa seja autorizada a fazer o próprio remédio”, ponderou. “A dificuldade de aferição de indicadores e dosimetria nos faz avaliar essa situação como uma anomalia jurídica, uma situação precária que existe na ausência da norma”.

NOVOS MEDICAMENTOS
Durante o evento, a HempMeds Brasil apresentou uma nova conquista para os pacientes que utilizam derivados da Cannabis: dois novos medicamentos, com maior concentração de CBD em comparação a outros produtos da empresa. O médico Junior Gibelli explicou que os produtos beneficiarão principalmente pacientes que precisam de altas doses da substância.

“A dosagem é embasada no peso do paciente, normalmente os médicos prescrevem de 2 mg a 5 mg por quilo. Se eu tenho um paciente que pesa 100 kg, por exemplo, que toma 5 mg por quilo, serão 500 mg por dia. As medicações que eu tinha disponíveis acabavam muito rápido. O paciente, então, precisava comprar entre quatro e cinco frascos por mês para fazer o tratamento. Nós precisamos fazer um produto mais concentrado para que esses pacientes que usam dose mais alta tenham um tratamento mais barato por mês, o que também facilita a adesão”, afirmou.

Além de favorecer os pacientes, o médico defende que o uso do CBD seria positivo para o governo. O profissional acredita que, se a substância for incluída no rol do Sistema Único de Saúde (SUS), haverá redução considerável de gastos, já que não será necessário manter internados pacientes com enfermidades que podem ser tratadas com canabidiol. 

“A gente precisa que o SUS e que os órgãos públicos entendam isso, que a curto prazo vai ser uma relação de ganho para o paciente, que vai ter uma melhora, e para o SUS, que vai ter uma redução no investimento que ele tem para controlar patologias de difícil controle”, ressaltou. BN.

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