Luís Guilherme Barrucho* - @luisbarrucho**Da BBC Brasil em São Paulo**Rafael Hupsel/Folha Imagem
Votação do projeto de terceirização do trabalho deve acontecer nesta quarta-feira (8)
Criticado por centrais sindicais, mas apoiado por grande parte do
empresariado nacional, o projeto de lei que regulamenta a terceirização
dos contratos de trabalho deve ser votado na tarde desta quarta-feira
(8) pela Câmara dos Deputados cercado de pontos polêmicos.
O
principal deles é a permissão de que empresas terceirizem não só
atividades-meio (funções de apoio ao negócio central da empresa, como
limpeza e vigilância), mas também as atividades-fim (por exemplo, a
fabricação de carros, no caso de uma montadora).
Para os
críticos, o projeto de lei é prejudicial aos trabalhadores pois coloca
em risco a conquista dos direitos trabalhistas e pode levar a uma
substituição em larga escala da mão de obra contratada diretamente pela
terceirizada.
Já os defensores da proposta acreditam que ela acaba com a insegurança jurídica, aumenta a produtividade e gera mais empregos.
Até agora, por causa da ausência de parâmetros definidos para a
terceirização, o tema vem sendo regulado pelo TST (Tribunal Superior do
Trabalho), por meio da chamada Súmula 331, que proíbe a contratação de
trabalhadores por meio de empresas interpostas, exceto os trabalhadores
temporários (como aqueles que trabalham em época de Natal e Páscoa). De
acordo com o dispositivo, a terceirização somente é legal quando se
refere à atividade-meio da empresa, e não à atividade-fim.
No
ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu entrar na
polêmica, ao declarar o tema de repercussão geral, em meio à
multiplicação de ações civis públicas ajuizadas pelo MPT (Ministério
Público do Trabalho) envolvendo indenizações milionárias. O julgamento
não ocorreu e está previsto para acontecer em 2015.
Centrais,
sindicatos e movimentos sociais realizaram manifestações em todo o
Brasil nesta terça-feira (7) para barrar a votação do projeto de
lei."Vamos fazer uma campanha massiva contra todos os deputados que
votarem a favor dessa proposta", afirmou à BBC Brasil Graça Costa,
secretária das Relações de Trabalho da CUT (Central Única dos
Trabalhadores).
A BBC Brasil listou três pontos polêmicos do projeto de lei e ouviu opiniões – contra e a favor – sobre ele.
1. Terceirização de toda e qualquer atividade
A possibilidade de que as empresas passem a terceirizar não só a
atividade-meio (aquelas que não são inerentes ao objetivo principal da
empresa, ou seja, serviços necessários, mas não essenciais), mas também a
atividade-fim (aquela que caracteriza o objetivo principal da empresa) é
um dos itens mais controversos do projeto de lei que regulamenta a
prestação de serviços por terceiros.
No caso de um banco, por
exemplo, a mudança permitiria que bancários – de operadores de caixa a
gerentes, ou seja, aqueles que desempenham atividade-fim nessas
instituições - passem a ser terceirizados. Atualmente, nessas empresas,
apenas trabalhadores como seguranças ou faxineiros podem ter esse tipo
de contrato, pois exercem atividade-meio, já que a atividade principal
de um banco não é fazer segurança tampouco faxina.
Os críticos
dizem, no entanto, que a flexibilização dos contratos "precariza as
relações de trabalho". Eles também argumentam que, ao serem empregados
como terceirizados, os trabalhadores perdem os benefícios conquistados
pela categoria, como, por exemplo, piso salarial maior, plano de saúde,
vale-alimentação, participação nos lucros, entre outros.
"Esse
projeto de lei precariza as condições de trabalho no país. Dizem que
mais empregos serão gerados, mas com que padrão? Padrão chinês?",
critica o juiz Germano Silveira, vice-presidente da Anamatra (Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), em referência às más
condições de trabalho em fábricas na China.
"Os terceirizados
ganham salários mais baixos, até metade do que ganha um contratado
direto, e sofrem acidentes de trabalho com mais frequência, pois as
empresas que prestam o serviço terceirizado economizam nos itens de
segurança para cortar custos", acrescenta. "Os deputados (a favor do
projeto de lei) querem transformar essa diferença de salário em lucro
para os empresários".
Graça Costa, secretária das Relações de
Trabalho da CUT (Central Única dos Trabalhadores) concorda. Segundo ela,
o projeto, se aprovado, vai provocar uma substituição em massa de
trabalhadores contratados por terceirizados.
"Há hoje no Brasil
quase 13 milhões de trabalhadores terceirizados, contra 35 milhões de
trabalhadores contratados. Essa situação vai se inverter com a aprovação
desse projeto de lei. O objetivo das empresas é unicamente reduzir
custos. A relação de trabalho, que hoje é bilateral, ou seja, entre
trabalhador e empregador, vai deixar de sê-lo, abrindo espaço para
subcontratações a torto e direito. Será quebrada a coluna vertebral do
direito do trabalho no Brasil", avalia.
Segundo Costa,
estimativas apontam que, além de terem salários menores, os
terceirizados trabalham mais e correm mais riscos de sofrer acidentes,
inclusive fatais. Ela acrescenta ainda que, dos dez maiores grupos de
trabalhadores em condições análogas à escravidão resgatados entre 2010 e
2014, 90% eram de mão de obra terceirizada.
2. Responsabilidade das empresas contratantes sobre obrigações trabalhistas
Pela atual versão do PL 4.330/2004, a empresa contratante (tomadora de
serviços) deve fiscalizar se a empresa terceirizadora (fornecedora de
serviços) está fazendo os pagamentos trabalhistas e previdenciários e
garantindo os benefícios legais, como férias remuneradas. Apenas se não
comprovar ter feito a fiscalização, ela poderá ser punida no caso de
haver alguma irregularidade. O projeto de lei determina que a empresa
contratada comprove por meio de documentação mensal que está cumprindo
com suas obrigações.
As centrais sindicais, no entanto, defendem
que a responsabilidade do tomador de serviço não seja "subsidiária",
mas "solidária". No linguajar jurídico, a chamada "responsabilidade
subsidiária" significa que a empresa contratante (tomadora de serviços)
somente pagará se o devedor principal deixar de pagar. Isso leva o
trabalhador a demorar mais tempo para receber seu dinheiro, no caso de
uma demissão sem justa causa, por exemplo – porque ele precisa esgotar
primeiro todas as possibilidades para receber do devedor solidário, ou
seja, da empresa contratada.
Como muitas vezes essas
terceirizadoras têm capital social muito baixo, com poucos bens no nome
da empresa ou dos sócios, o trabalhador acaba enfrentando um longo
périplo na Justiça para reaver seus direitos, dizem os representantes
dos sindicatos.
"Essa foi uma solução intermediária (para o
impasse), mas é apenas uma fiscalização formal", critica Silveira.Para
Costa, da CUT, a proposta prejudica o trabalhador porque tira do Estado o
poder de fiscalização".
"Se a empresa terceirizada não cumprir
com os direitos dos trabalhadores e a empresa contratante provar que se
responsabilizou, o prejudicado será o trabalhador. Não faz sentido
deixar na mão do empresário, que tem interesses financeiros nesse
sistema, a tarefa de fiscalização, que deveria caber ao Estado",
argumenta.
Costa lembra que o escândalo de desvio de verbas na
Petrobras criou, recentemente, um impasse sobre obrigações
trabalhistas."Mais de 20 mil trabalhadores terceirizados foram demitidos
recentemente de empresas que prestavam serviços à Petrobras e não sabem
a quem recorrer".
3. Garantias dos direitos trabalhistas aos terceirizados
A garantia dos direitos trabalhistas aos terceirizados, especialmente
como deve ficar a representação sindical, é outro ponto de atrito entre
críticos e apoiadores do projeto de lei que regulamenta a terceirização
da mão de obra.
O texto não assegura a filiação dos
terceirizados no sindicato de atividade preponderante da empresa, o que,
segundo as lideranças sindicais, fragiliza a organização dos
trabalhadores terceirizados.
De acordo com os sindicatos, é
comum que terceirizados que trabalhem em um mesmo local tenham
diferentes patrões e sejam representados por setores distintos.
Negociações com o patronato acabam, assim, prejudicadas, apontam.
"Flexibilizar as relações trabalhistas é um erro, sobretudo no momento
de crise. Precisamos de um mercado de trabalho forte, uma massa de
trabalhadores com bons salários e com boas condições para que eles
possam ser consumidores. O governo vai deixar de arrecadar", conclui
Costa.
Outro lado
Na visão dos que apoiam o projeto de
lei, a regulamentação dos contratos de prestação de serviços de
terceiros beneficia os trabalhadores.
Segundo o deputado Arthur
Maia (SD-BA), autor do substitutivo da Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania para o PL 4.330/04, havia uma "discriminação
contra o trabalhador terceirizado".
"Não temos uma legislação
que discipline a matéria. Nosso objetivo é regulamentar as relações de
trabalho nesse campo criando uma série de exigências para que uma
empresa possa funcionar como terceirizada. Isso beneficia o trabalhador
pois lhe dá a segurança que hoje ele não tem", diz Maia.
O deputado argumenta que os sindicatos são contra a proposta por temer uma "redução da arrecadação".
"Quando acontecer a legalização, haverá um fracionamento maior da
contribuição sindical entre mais sindicatos. A crítica é legítima. Temos
de reconhecer, porém, que não é justo que haja um prejuízo do
trabalhador face à arrecadação sindical".
Em artigo publicado no
jornal "Folha de S. Paulo", Paulo Skaf, presidente da Fiesp (Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo), afirmou que "com a
regulamentação do trabalho terceirizado, o Brasil irá se alinhar às mais
modernas práticas trabalhistas do mundo".
"Depois de muitos
anos de debate, a terceirização poderá, enfim, ser regulamentada no
Brasil. Isso acabará com a insegurança jurídica, aumentará a
competitividade e certamente vai gerar mais empregos".
Para a
CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a
regulamentação da terceirização é "condição imprescindível para que as
empresas possam colocar seus produtos no mercado a preço competitivo e,
com isso, ajudar o Brasil a sair desta crise inédita e de tamanho
imprevisível".
*Colaborou Mariana Schreiber, da BBC Brasil em Brasília
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