A pretexto de combater o “Efeito Tiririca”, a proposta do Distritão pode enfraquecer ainda mais os partidos políticos brasileiros/epoca.globo.com
O deputado Tiririca. Ele elegeu uma bancada inteira com sua supervotação em São Paulo (Foto: Sérgio Lima/Folhapress)
Depois de décadas de letargia, a Câmara dos Deputados começa a dar novos passos no sentido de reformar o sistema eleitoral brasileiro. Uma pena, no entanto, que o início dessa caminhada vá justamente no sentido contrário do fortalecimento das instituições partidárias, vitais para o bom funcionamento das democracias. Há duas semanas, a Comissão Especial de Reforma Política apresentou seu parecer sobre as mudanças no sistema político-partidário. Ela sugeriu o fim da reeleição para cargos do Executivo, mandatos de cinco anos para todos e a adoção do Distritão para a eleição da Câmara dos Deputados.
O atual sistema leva em consideração a votação obtida por todos os candidatos do partido ou da coligação, além da opção pela legenda. É o Sistema Proporcional de Lista Aberta, no qual o total de cadeiras conquistadas pelos partidos ou coligações se aproxima da proporção de votos obtidos. A ordem dos candidatos na lista depende do número de votos que cada um recebeu. Por ser proporcional, esse sistema, com todos os problemas que possa ter, fortalece os partidos políticos. No Distritão, cada Estado é transformado em uma espécie de “distrito”, e são eleitos os deputados mais votados – e, aí está o perigo, independentemente da filiação partidária, que passa a ser algo secundário. Os defensores desse modelo alegam que seu grande mérito seria simplificar o sistema eleitoral brasileiro e acabar com os “puxadores de voto”.
A figura do “puxador de votos”, de fato, é um dos atalhos do atual sistema para a consolidação de determinados grupos partidários sem projetos definidos e propostas claras. Foi dessa forma que o PR ampliou sua bancada nas eleições de 2010, na esteira do fenômenoTiririca, o palhaço recordista de votos naquela ocasião. Segundo a regra atual, se o quociente eleitoral é de 300 mil votos, o partido que obtém 900 mil votos elege três deputados federais. Da mesma forma, se um candidato da legenda faz 1,5 milhão de votos, o partido pode emplacar na Câmara até cinco deputados, mesmo se os demais não tiverem obtido muitos votos. Tiririca teve 1,3 milhão de votos em 2010 – levou com ele para a Câmara outros três deputados e ajudou a dobrar a bancada do PR na Câmara. O episódio entrou para a enciclopédia política brasileira com o nome de “Efeito Tiririca”.
Atrás da aparente simplicidade do Distritão – apoiado pelo vice-presidente, Michel Temer, e pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha – há graves distorções e perigosas armadilhas. A maior delas é o enfraquecimento dos partidos. De antemão, o Distritão vai retirar um direito do eleitor, que é a possibilidade de votar apenas na legenda de sua preferência. Outro problema é que ele favorece, sim, os candidatos personalistas, pouco comprometidos com programas e ideias. Sob o pretexto de combater o “Efeito Tiririca”, o Distritão pode ensejar o surgimento de milhares de Tiriricas pelo país afora.
O sistema brasileiro não é melhor nem pior que os das outras democracias espalhadas pelo planeta. Todos têm vantagens e distorções, e melhoram com aperfeiçoamentos pontuais. Em nosso caso, a fragmentação partidária é um dos problemas. Ela pode ser atacada com uma mudança simples: o estabelecimento de uma cláusula de barreira. Para acabar com o “Efeito Tiririca”, o melhor remédio é proibir as coligações em eleições proporcionais. Essas duas mudanças tópicas fariam uma revolução – para o bem – no sistema eleitoral brasileiro. Os próprios integrantes da Comissão sabem que uma proposta radical como o Distritão tem poucas chances de passar. A política ensina que propor reformas grandes demais pode significar não fazer reforma nenhuma. Soluções bombásticas como o Distritão podem ser um bom jeito de jogar para a torcida, embalando um pacotaço com as palavras mágicas “reforma política”. Mas não vai resolver as distorções do nosso sistema eleitoral, que poderiam ser combatidas de forma bem mais simples e efetiva.
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