por Merval Pereira - O Globo
A tragédia que se abateu sobre o jornalismo mundial é, sobretudo, a tentativa de sobrepor a violência à liberdade de expressão, um dos pilares do estado democrático. Mas é também a expressão mais brutal do desentendimento de sociedades que marca nosso mundo contemporâneo.
Teve a mão globalizada da Al- Qaeda a puxar o gatilho das kalashnikov contra jornalistas satíricos franceses, mas obedece ao mesmo conceito bárbaro que leva um político do interior brasileiro a assassinar jornalistas que expõem suas mazelas, ou simplesmente os expõem ao ridículo, como tantas vezes aconteceu nos últimos anos, crescentemente.
O elemento religioso que serviu de pretexto para a ação dos terroristas na redação do Charlie Hebdo é outro ingrediente de uma tragédia contemporânea, em que o desentendimento entre as civilizações está prevalecendo em lugar da tentativa de compreensão mútua.
Os direitos humanos como valores universais custam a se impor em sociedades que ainda lutam por liberdades individuais, e até agora apenas a Tunísia vem se saindo bem do movimento que se chamou Primavera Árabe e hoje não consegue ser um contraponto ao extremismo terrorista, que tem no Estado Islâmico sua imagem mais exemplar.
O filósofo francês François L´Yvonnet, secretário executivo da Academia da Latinidade, acompanha de perto a tentativa de aproximação das culturas, tarefa primordial da Academia, e tem também uma visão das questões francesas que estão em jogo nesta tragédia. Ele classifica o ataque ao Charli Hebdo de “um acontecimento inominável, um atentado particularmente inqualificável à liberdade de expressão”.