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sábado, 25 de janeiro de 2025

Limpeza de rio contaminado em tragédia de Brumadinho pode levar até 741 anos

Por Artur Búrigo | Folhapress
Foto: Lucas Hallel/Ascom-Funai
Hélia Baeça, 59, trata o rio Paraopeba, que fica a cerca de 50 metros de sua propriedade, não apenas como fonte de renda e alimentação, mas como parte de sua vida.

A rotina dela, que vive na comunidade de Vista Alegre, em Esmeraldas, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, mudou drasticamente há seis anos. Foi quando uma barragem da mineradora Vale se rompeu em Brumadinho, a cerca de 60 quilômetros de casa.

O episódio em 25 de janeiro de 2019 resultou na morte de 270 pessoas e na contaminação da água do rio Paraopeba, que está imprópria para uso até hoje.

"É uma sensação de tirar o que é da gente, sabe? Uma sensação muito ruim, de perda da nossa liberdade de viver, da nossa área produtiva, do lazer, da pesca", diz Hélia.

O acordo celebrado em fevereiro de 2021 entre Vale, governo de Minas Gerais e instituições de Justiça prevê que cabe à mineradora a limpeza total do rio Paraopeba, sem limite de custeio.

Um estudo do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) projetou cenários de prazo para que essa limpeza seja concluída.

No cálculo mais otimista, seriam necessários 44 anos de dragagem para a retirada total dos resíduos. Já o mais pessimista coloca esse prazo em 741 anos.

A discrepância, segundo os autores do estudo, está relacionada a dois parâmetros. Um é sobre a quantidade de rejeitos que estavam na barragem 1 da mina Córrego do Feijão e chegaram ao rio.

A Vale defende que esse volume é de 1,59 milhão de metros cúbicos (m³), enquanto pesquisadores afirmam em artigos publicados no International Journal of Sediment Research que o total foi de 2,8 milhões de m³.

Outra indefinição é sobre a quantidade de rejeito que é retirado pelas dragas a cada metro cúbico de sedimento. Logo após o desastre, explicam os especialistas, essa proporção chegou a ser de 90% de rejeitos para 10% de sedimentos. Hoje, com o assentamento dos rejeitos, essa relação diminuiu consideravelmente.

"Entre 2019 e 2020 as dragas removiam mais de 2 mil m³ de sedimentos, e a maior parte era rejeito. Ao passar dos anos esses valores caíram bastante, para 100, 50, 30 m³ de rejeitos por dia", afirma Hugo Salis, engenheiro florestal e um dos autores do estudo.

As informações de atividade das dragas e de rejeito retirado estão disponíveis em um painel no site da mineradora. No último dado disponível, de 20 de janeiro, haviam sido retirados 195 mil m³ de rejeitos.

Esse contexto, segundo Ramon Rodrigues, especialista socioambiental e também autor do levantamento, traz à tona o cenário de inviabilidade da retirada dos rejeitos, algo previsto pelo acordo de 2021. O documento diz que a mineradora deverá recompensar financeiramente os atingidos se a limpeza total do rio não for possível.

"A projeção de 44 anos para a retirada é quase impossível, porque considera que há 90% de rejeitos nos sedimentos. Caso seja inviável a limpeza, a Vale tem que avaliar com os órgãos ambientais e a auditoria estratégias de compensação. Mas quanto vale um rio?", questiona Ramon.

Procurada, a mineradora afirmou que tem conduzido ações contínuas para a remoção de rejeitos no Paraopeba e que os trabalhos são acompanhados por consultorias independentes.

"É importante destacar que, em alguns trechos do rio, o rejeito se misturou com sedimentos naturais, e possui baixa concentração de material, o que dificulta a retirada. Para essas situações, a Vale avalia, junto aos órgãos competentes, as soluções técnicas mais adequadas e intervenções específicas", disse a companhia em nota.

O professor Fernando Pacheco, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, de Portugal, não desconsidera a importância da dragagem, mas diz que o impacto mais relevante na limpeza do rio se refere a uma depuração natural que acontece com o passar dos anos.

"Como o rompimento aconteceu no primeiro terço da bacia, o rejeito que vai para frente acaba se misturando com sedimentos de vários rios que vêm do lado, e isso corresponde a uma limpeza natural. Por isso que a contaminação acaba por ser diluída, e quanto mais anos passar, mais ela ocorre", disse o professor.

De 2021 a 2023 ele participou de um projeto que buscava responder sobre quando o Sistema Paraopeba, responsável por 30% do abastecimento de água à região metropolitana de Belo Horizonte, poderia voltar a operar.

Ele explica que os estudos não buscaram definir um prazo para a limpeza total do rio, mas sim para o retorno à condição pré-desastre. Os cálculos, apresentados no ano passado, foram de que o abastecimento poderia ser retomado de 6 a 8 anos após o desastre.

"Essa projeção foi considerada em condições de vazão extrema [época de cheia]. No período seco, o rio está praticamente como antes do rompimento. O problema é que tem que estar igual a antes do rompimento em todos os períodos", diz Pacheco.

A decisão sobre quando a água do rio poderá voltar a ser utilizada para consumo ou para o abastecimento do Sistema Paraopeba cabe ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), ligado ao governo estadual.

Para o uso da água para abastecimento, o órgão, em sua avaliação, observa parâmetros como: turbidez, presença de ferro, manganês, alumínio, chumbo e mercúrio na água.

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