Ruth Costas*Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas
O valor do dólar ultrapassou os R$ 4, atingindo nesta terça-feira (22) a maior cotação desde a criação do Plano Real, em 1994. No fechamento do dia, estava custando R$ 4,05.
Analistas atribuem a alta principalmente ao acirramento da crise política e às incertezas sobre a capacidade do governo de promover um ajuste fiscal, embora a expectativa de um aperto monetário nos EUA e o desaquecimento da China tenham dado sua contribuição para a mudança no câmbio.
O real também estaria sendo pressionado pelo rebaixamento da nota de crédito do país pela agência Standard & Poor's e pelas perspectivas de revisão das avaliações de outras agências de classificação de risco.
Para completar, nesta terça feira, esse clima de incertezas ganhou força com a possibilidade de que o Congresso derrube os 32 vetos da presidente Dilma Rousseff a medidas que aumentam os gastos públicos e comprometem o ajuste fiscal.
A avaliação de Thiago Biscuola, analista da RC Consultores, é que, mesmo que os vetos não caiam, é pouco provável que o dólar volte a um patamar abaixo dos R$ 3,50 tão cedo.
André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, concorda. "Não temos a perspectiva de que essa crise política e econômica se resolva no curto prazo. Então, provavelmente o dólar a R$ 4 veio para ficar", diz.
Há quem ganhe e quem perca com a desvalorização do real, mas é certo que a maior parte dos brasileiros terá ou já está tendo seu dia a dia afetado pela mudança no câmbio.
Confira abaixo como:
1. Inflação
Já era de se esperar que a mudança de patamar do câmbio tivesse um impacto sobre os preços de produtos importados ou setores que dependem de insumos produzidos fora do país.
"Eletrônicos como smartphones, por exemplo, tendem a ficar mais caros", diz o economista da RC Consultores. Celulares estão entre os produtos cujos preços devem subir com a alta do dólar
Mas, além disso, a alta do dólar também tem um efeito sobre os preços dos "exportáveis", em especial os alimentos.
Biscuola e Perfeito explicam que, como os exportadores ganham mais vendendo seus produtos para fora, em geral acabam cobrando um preço um pouco mais alto para mantê-los no mercado interno.
"E com a alta do grupo alimentação (nos índices de preços), é razoável esperar uma inflação um pouco mais próxima dos dois dígitos, ainda que a recessão já esteja segurando o consumo", diz o economista da Gradual.
2. Viagens e turismo
Para muitos, planos de viagens e estudos no exterior já estão precisando ser repensados diante do novo patamar do dólar e da esperada volatilidade dos próximos meses.
Mesmo conseguindo uma passagem relativamente barata nas inúmeras promoções que vêm sendo feitas pelas companhias aéreas, estão cada vez mais caros em real os gastos com hotéis, alimentação, passeios e despesas no cartão.
Biscuola recomenda que quem já está de viagem marcada acompanhe de perto o mercado, comprando dólar em momentos de baixa.
"Essa nova realidade do câmbio de certa forma faz parte do ajuste que a economia precisava. Não parecia fazer muito sentido um jantar custar mais em São Paulo que em Nova York e brasileiro trazer até tubos de pasta de dente de Miami porque lá, em dólar, tudo era muito mais barato", diz Perfeito.
Os gastos de brasileiros no exterior já caíram cerca de 25% no primeiro semestre.
E muitas famílias já estão optando por viajar pelo país em vez de conhecer terras estrangeiras - o que é uma boa notícia para quem trabalha com turismo interno, hotéis, restaurantes e agências de viagens.
Além disso, a desvalorização do real deve ajudar o país a atrair turistas estrangeiros já que, para eles, o Brasil está uma pechincha. "Será um atrativo a mais na Olimpíada", opina o economista da Gradual.
3. Emprego e renda
Para quem trabalha em indústrias e setores que dependem de insumos importados, a alta do dólar deve representar um maior risco de que a sua empresa tenha de cortar pessoal.
Outro grupo vulnerável é o das empresas com dívidas muito altas em dólar. Custos mais altos devem significar reavaliações nos projetos e cortes de gastos.
Em contrapartida, alguns exportadores, como setores da agroindústria e produtores de papel e celulose, estão sorrindo de orelha a orelha com o dólar a R$ 4, isso porque têm custos em real, mas recebem por seus produtos na moeda americana.
Os produtos brasileiros também tendem a ficar mais competitivos lá fora e algumas empresas que vendem para o mercado interno podem se beneficiar do encarecimento de competidores importados.
São esses setores que tendem a abrir novas oportunidades de trabalho em meio a crise.
"Mas isso deve demorar um pouco para ter um efeito significativo no mercado de trabalho, porque o Brasil se voltou para dentro por muito tempo quando sua moeda estava valorizada e você não abre as janelas para fora de uma hora para outra", diz Biscuola.
4. Investimentos
Com o real em queda e nenhuma perspectiva de solução da crise doméstica no curto prazo, também já há quem esteja começando a se perguntar: está na hora de comprar dólar?
Para Perfeito a resposta é negativa, principalmente em função da atual volatilidade do mercado de câmbio e dessa instabilidade do cenário político e econômico brasileiro. "As melhores opções de investimento continuam as mesmas", opina.
"As incertezas são tantas que se é possível que o dólar chegue ao fim do ano na casa dos R$ 4,30, também podemos ter uma queda para os R$ 3,50. Ninguém arriscaria cravar o que vai acontecer", concorda Biscuola.
"Em um país que tem investimentos ligados a títulos públicos pagando mais de 10% ao ano, com um risco mínimo, hoje só está investindo em dólar quem consegue acompanhar de perto esse mercado e quer emoção."
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