RICARDO GUGGISBERG*
O CEO da Volkswagen, Martin Winterkorn . Ele pode caiu após o escândalo envolvendo fraudes em testes de emissões de carros a diesel (Foto: AP Photo/Richard Drew)
Não deixa de ser uma triste ironia ver a imagem verde cultivada por Ângela Merkel para seu país ser arranhada por uma das mais conhecidas marcas alemãs justamente na semana em que China e Estados Unidos firmam um acordo climático histórico. Ela, que tanto tem se empenhado para que as negociações deste final de ano em Paris tenham um bom resultado, deve ter sentido um grande alivio ao ver os dois maiores emissores globais de gases causadores do efeito estufa – e, portanto, dois atores fundamentais nessa questão – assumirem perante a opinião pública que adotarão uma visão comum para o acordo e que implantarão políticas internas ambiciosas. Mas a chanceler alemã também pode ter sentido o desafio de promover a transição da própria indústria européia para uma economia de baixo carbono.
Não foi por acaso que a Volkswagen envolveu-se em um escândalo de dimensões planetárias envolvendo motores a diesel. Embora a população europeia tenha mostrado uma alta adesão a bicicletas, trens elétricos e outros meios de transporte com pouca ou nenhuma emissão, a maioria dos fabricantes europeus de veículos tem uma preocupante dependência do diesel. E o motivo é que, trafegando na contra-mão, a Comissão Europeia e os governos dos países membros da bloco não alteraram o programa de estímulo o uso de motores a diesel implantado no final do século passado.
Para efeito de comparação, até o início dos anos 1990, Europa e Japão tinham cerca de 10% de automóveis a diesel nas estradas. Hoje eles representam até 35% do total de carros que trafegam na Europa. O Japão, ao contrário, tinha 21% de veículos híbridos ou elétricos nas ruas em 2013. Na Alemanha, esse percentual era de apenas 1% naquele ano. Não deixa de ser um paradoxo, já que as marcas européias têm tecnologia para competir com americanos e japoneses no mercado de veículos elétricos.
O escândalo da Volkswagen certamente fará com que os testes de emissões se tornem mais rigorosos no mundo inteiro, afetando diretamente quem optou por privilegiar os motores a diesel. Mas como se isso não bastasse, entre as medidas anunciadas no acordo climático bilateral entre o berço da indústria automotiva e o novo titã desse setor está o desenvolvimento de novos padrões de eficiência de uso de combustível em veículos pesados, a ser finalizado em 2016 e implantado em 2019. Entre China e EUA, a indústria automotiva européia acaba de ficar na berlinda.
Outra ironia do escândalo da Volkswagen foi tirar um pouco do brilho da ajuda chinesa ao financiamento do clima, da ordem de US$ 3,1 bilhões. Esse montante é menos da metade dos 6,5 bilhões de euros que a Volkswagen anunciou na mesma semana para gerenciar as consequências das fraudes. Quando somamos a esse valor os 20 bilhões de euros que a empresa perdeu com a desvalorização de suas ações, que perderam 34% de seu valor na última semana, temos nada menos que 20% de todo o financiamento climático prometido na CoP15. http://epoca.globo.com* Ricardo Guggisberg é presidente da ABVE-Associação Brasileira do Veículo Elétrico
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