A ex-candidata a presidente Marina Silva disse em entrevista ao Blog que o governo está impondo remédio amargo à sociedade, mas não pensa em reduzir o número de ministérios nem de cargos comissionados. Na visão dela, o governo não aumentou a dose do medicamento, mas sim “trocou o frasco do remédio”, ao tomar medidas de ajuste fiscal após dizer que elas não eram necessárias. E o fez, segundo ela, sem qualquer autocrítica. Por isso, afirmou a ex-senadora, a sociedade se sente ludibriada e indignada. Para ela, essa é a explicação dos panelaços e protestos que assombram a presidente Dilma Rousseff e o PT. Ao falar ao Blog sobre a conjuntura política, Marina se disse preocupada com a gravidade da crise econômica e política. Ela defende uma reforma política, mas alerta que não é preciso mudar leis para saber que “não se pode mentir nem caluniar” numa eleição. G1
Blog – Como a senhora viu os repetidos panelaços e as manifestações contra o governo?
Blog – A senhora acredita que esse “ludibriar” da campanha é o que fortaleceu a ideia do impeachment?
Marina Silva – Sim, sem dúvida, o sentimento de ter sido enganado faz até com que pessoas que apoiam o governo já não o façam com a mesma convicção. Mas há outros aspectos a serem considerados. Este é um governo que está sucedendo a si mesmo. Já são 12 anos com o PT. Há um visível fastio da repetição do discurso, da repetição do modus operandi, de justificativas que já não justificam e explicações que já não explicam. E, principalmente, há a reincidência escandalosa da corrupção. Quando as pessoas defendem impeachment, estão propondo uma saída constitucional, elas querem manter a legalidade. Obviamente, para que ocorra um impeachment é preciso ter provas de envolvimento direto do presidente da República. Se não for dentro da legalidade, o efeito pode ser aprofundar o caos.
Blog – Como a senhora vê, depois de todo aquele discurso da campanha contrária a algumas medidas, o ajuste fiscal?
Marina Silva – Talvez a mudança de discurso sofresse rejeição menor se houvesse, por parte do governo, um mínimo de autocrítica, um reconhecimento de que cometeu erros. E um diálogo aberto, inclusive com a oposição, sobre como as medidas imediatas se inserem numa agenda estratégica. Porque é preciso fazer ajustes, como o fiscal, sem perder a noção das necessidades sociais. É preciso retomar o investimento e manter as conquistas sociais, essa é uma equação que tem que fechar. Para isso, o governo precisa dar o exemplo. Por que se apela para que a sociedade faça sacrifícios e o governo não faz sacrifício nenhum, continua com 39 ministérios e milhares de cargos comissionados? E ainda apoiou o escandaloso aumento do fundo partidário. O governo disse que estava fazendo tudo certo, culpou agentes externos pela crise e agora transfere a conta para o cidadão. A estratégia da presidente Dilma é muito diferente da que foi usada pelo ex-presidente Lula. Para ganhar a eleição, em 2002, Lula assumiu claramente o compromisso de manter a política macroeconômica do governo tucano. Contou com a ajuda de Fernando Henrique para fazer a transição. O ministro [Antonio] Palocci teve apoio de pessoas que ajudaram no Plano Real, como Marcos Lisboa, Murilo Portugal, Bernardo Appy e o próprio Joaquim Levy. Foi assumido um compromisso público. Já a presidente Dilma negou veementemente a necessidade de qualquer ajuste, negou até que houvesse algum problema. Não revelou o receituário para enfrentar a crise, nem sequer exibiu o prontuário do paciente. Depois, mal havia tomado as primeiras medidas, já disse que talvez tivesse errado na dose. Ela não errou na dose – trocou o frasco do remédio. Dizia que o paciente estava com dor de cabeça e precisava de analgésico e agora quer convencer o paciente a tomar morfina. Se tivesse revelado à sociedade a natureza e a gravidade do problema, talvez nem precisasse da dose que está sendo dada agora. A falta de credibilidade faz com que as medidas sejam mais duras, mais dramáticas.
Blog – A situação econômica é difícil, há uma crise política. As coisas estão interligadas. Conhecendo a política brasileira como conhece, a senhora não vê esse desgaste político um pouco fora do tom normal?
Marina Silva – Desde 2010 eu venho dizendo que a maior ameaça às conquistas – aí incluindo o próprio aprofundamento da democracia, além da estabilidade econômica e a inclusão social– era o atraso na política. Hoje nós temos a demonstração disso. Há um completo descrédito dos partidos, um desgaste profundo do governo já no início do mandato, uma falta de perspectiva e de melhoras no futuro. A maioria dos partidos políticos já não discute ideias e propostas, são apenas máquinas para ganhar tempo de televisão, dinheiro e estrutura para dar sustentação aos projetos de poder apropriando-se do estado. Predomina a mentalidade de fulanizar as conquistas, ao invés de institucionalizá-las, como se o Plano Real pertencesse ao PSDB e ao Fernando Henrique e os programas sociais pertencessem ao PT e ao Lula, como se não fossem conquistas da sociedade brasileira. Esse patrimonialismo que nega as conquistas da sociedade e se apropria do aparelho do Estado é o principal atraso da política. Se eu tenho um projeto maravilhoso para a sociedade, mas que só funciona comigo no governo, alguma coisa está errada.
Blog – Qual a relação desse desgaste com a campanha petista durante a ultima eleição?
Marina Silva – O modo como se ganha é o modo como se governa. E está provado que é possível ganhar perdendo. O problema é que o país é quem perde mais, pois é lançado no meio de uma crise de valores, num retrocesso que só parece se aprofundar. Precisamos de uma reforma política de verdade, que ajude a melhorar a qualidade das instituições políticas, criando mecanismos que elevem a qualidade da representação e mantenham um ambiente democrático na disputa eleitoral. Agora, tem um aspecto que não depende de reforma política. Eu não preciso de nenhuma lei para saber que não devo mentir, caluniar e atacar meus adversários de forma desleal. Isso não é apenas uma ética pessoal, é parte essencial do contrato social. A reforma política é importante para decidir, por exemplo, como acabar com o abuso do poder econômico no financiamento das campanhas. Mas algumas propostas visam apenas fortalecer as atuais oligarquias partidárias, concentrando nelas as prerrogativas da decisão. Isso é uma contradição, num momento em que a sociedade não se identifica com os partidos, há projetos que querem dar mais poder aos partidos. Eu defendo que as campanhas recebam financiamento público e financiamento de pessoas físicas com teto para doações, com a possibilidade de haver candidaturas independentes. E quando eu digo independentes não é simplesmente um candidato de si mesmo. É uma candidatura que apresente um programa, com uma lista de pessoas endossando esse projeto. Por que tem que haver a chancela de um partido? Seria bom criar uma concorrência idônea aos próprios partidos, quem sabe assim eles melhorem. Não é para ser contra os partidos, é para que, tendo a possibilidade de buscar na sociedade novos quadros, os partidos não fiquem tão acomodados por terem o da política institucional para defender seus próprios interesses, para que eles precisem competir com aqueles que vem diretamente pelas mãos da sociedade.
Blog – Uma candidatura independente sobreviveria a uma campanha hostil como foi a de 2014?
Marina Silva – É preciso ter regras que assegurem uma ambiência favorável, um acesso democrático aos meios, por exemplo o tempo de televisão, para que haja expressão das propostas. Em alguns países isso é possível. Aqui são criadas camisas de força para impedir a expressão da sociedade. É doloroso lembrar que no fim da ditadura foram criadas as condições para surgir o PT e hoje, na democracia, não conseguimos registrar a Rede Sustentabilidade. Há todo tipo de manobra, desde uma ação nos cartórios para anular as nossas fichas até tentativas de mudar a lei, como agora, para quem é filiado de um partido não poder endossar a criação de outro partido e a triplicação do número de assinaturas necessárias para a criação. Medidas dificultam o ingresso de parlamentares, negam tempo de propaganda e fundo partidário, uma incessante maquinação de detalhes para dificultar a renovação do processo político.
Blog – Como está a Rede?
Marina Silva – Nós estamos agora com cerca de 80 mil assinaturas nos cartórios aguardando as certificações, para juntar às que já foram colhidas em 2013 e vamos encaminhar o registro da Rede. Estamos sofrendo as consequências das mudanças que foram feitas de encomenda contra nós após a criação do PROS e do Solidariedade. Agora, mais uma vez, vamos depender da demora dos cartórios para apresentar novamente as fichas e reabrir o processo do nosso registro.
Blog – Qual o futuro para Marina agora?
Marina – Eu costumo dizer a mesma coisa que eu disse em 2010: não vou ficar na cadeira cativa de candidata. E se eu tivesse apegada à ideia de ser candidata, não teria enxergado o Eduardo Campos como alternativa em 2013, quando foi negado o registro da Rede. Teria ido para um dos partidos que, generosamente, como o PPS, estavam me acolhendo para uma filiação temporária e me possibilitariam ser candidata. Apoiar o Eduardo Campos, para mim, era muito mais do que compartilhar um palanque, era compartilhar um legado, e isso é parte do realinhamento político que eu vinha propondo, para estabelecer uma governabilidade com base em um programa, para criar um novo relacionamento entre os partidos que deveriam ter renovado a República e se deixarem estagnar em alianças com a Velha República. Agora eu vou fazer a mesma coisa: continuar contribuindo sem ter necessariamente que ficar na condição de candidata. Meu desejo é debater alternativas para esse momento de extrema dificuldade que o pais está atravessando. Quanto ao futuro, como posso oferecer a melhor contribuição? É mesmo na política institucional, participando de eleições? É nos movimentos da sociedade? Obviamente, ainda não tenho essa resposta, nem preciso ter. Há tempo para tudo sobre a Terra. (G1)
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