Polícia prende cinco acusados de participar de esquema de venda de "kits mortes" por até R$ 10 mil. Entre os detidos estão um médico, o dono de uma funerária e um condenado a 25 anos que se fez de morto para escapar da cadeia
Correio Braziliense
Foto: PCDF/Divulgação
Agentes da Coordenação de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Corpatri) prenderam cinco integrantes de uma organização criminosa voltada para a venda de “kits mortes”, com atuação no Distrito Federal e em cidades do Entorno. Entre os presos estão um médico e o dono de uma funerária de Águas Lindas (GO). Estima-se que 35 pessoas tenham comprado atestados de óbitos, avaliados, em média, em R$ 10 mil.
Segundo o delegado Erick Sallum, o caso foi descoberto pelo acompanhamento dos processos de falsificação de documentos contra Aldecir Tiago de Menezes, de 37 anos. “Temos o hábito de acompanhar inquéritos realizados pela coordenação. Ao averiguarmos a situação do suspeito, nos deparamos com a extinção de um dos processos em decorrência do óbito desse homem. Por se tratar de uma pessoa jovem e sem histórico de doenças, o fato nos chamou a atenção”, explica.
Com a suspeita, os investigadores passaram a apurar as circunstâncias por trás da morte de Aldecir Tiago. “Identificamos inúmeras incongruências e, ao irmos ao cemitério, não localizamos o corpo. Como ele já era envolvido em casos de fraudes, passamos a averiguar a situação do acusado. Assim, conseguimos comprovar que Aldecir não havia morrido, mas estava, sim, vivo, residindo no Sol Nascente. Ele foi preso em janeiro na região”, destaca.
Em depoimento à Corpatri, Aldecir afirmou ter comprado o atestado de óbito em Águas Lindas por R$ 10 mil. O objetivo do criminoso era não cumprir os 25 anos de reclusão pelos crimes de fraude. “O homem havia assumido uma nova identidade e construído uma família no Sol Nascente. A nova companheira do acusado entrou em choque ao saber da verdade, pois estava casada com alguém que sequer sabia o nome verdadeiro. Também apuramos que, ao forjar a própria morte, o criminoso abandonou as filhas de relacionamentos pretéritos, deixando-as, inclusive, sem pensão alimentícia”, salienta Erick Sallum.
No momento da prisão dele, em janeiro deste ano, e do cumprimento de busca e apreensão na residência do suspeito, os agentes encontraram centenas de documentos, como identidade, carteira nacional de habilitação e papéis timbrados de cartórios. “Também localizamos computadores e impressoras de alta resolução, utilizadas para a falsificação de toda espécie de documento, o que demonstra que o suspeito continuou praticando fraudes. A prisão do indivíduo só foi divulgada agora para que fosse apurado e comprovado o esquema criminoso voltado para a venda dos ‘kits mortes’”, informa o investigador.
“Trata-se de um recorde. Ao prendermos o ‘morto’, cumprimos, num mesmo ato, cinco mandados de prisão condenatória. O mesmo criminoso também foi preso em flagrante por posse de documentos falsificados. Essa prisão foi convertida em preventiva. Além disso tudo, foi deferida outra prisão preventiva pelo Juízo de Águas Lindas. São nove prisões contra o mesmo indivíduo. Esse criminoso, agora, só sai da cadeia após cumprir sua pena ou se realmente vier a óbito”, frisa a delegada Isabela Albino, que também ficou responsável pela investigação do caso.
“Kits mortes”
Após a prisão de Aldecir Tiago, os policiais da Corpatri elucidaram a cadeia de produção dos falsos atestados de óbito. Apurou-se que o esquema era mantido por um médico do Distrito Federal, com apoio do dono de uma funerária e de dois funcionários do local. O quarteto foi preso na manhã de ontem, na operação batizada de The walking dead, em referência à série estadunidense que retrata o mundo pós-apocalíptico, no qual os humanos tentam sobreviver lutando contra os “mortos-vivos”, os zumbis.
“Com o sigilo da prisão de Aldecir, ficou comprovado que o médico por trás da organização, com o CRM do DF e de Goiás, inventava doenças inexistentes e lavrava atestados de óbito falsos, que depois eram usados pela funerária para simular o transporte e sepultamento do corpo. Os criminosos sempre apontavam como local de enterro o cemitério de Girassol, no município goiano de Cocalzinho. Esse cemitério é comunitário e não possui qualquer controle dos corpos ali enterrados, realidade sabida pelos criminosos e usada para dificultar a elucidação da farsa”, pontua o delegado Erick Sallum.
“Ao identificarmos esse esquema, conseguimos apontar 35 atestados de óbitos suspeitos, lavrados sob o mesmo modus operandi e sem a localização dos cadáveres nos respectivos cemitérios. A nossa investigação se confirmou por meio da apreensão de materiais e celulares, realizada hoje (ontem). Tudo será analisado pelo Instituto de Criminalística para auxiliar na apuração do caso e, assim, identificarmos se há outros envolvidos no esquema”, explica.
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