Artigo de Deltan Dallagnol na Folha de S. Paulo
No dia em que Paulo Roberto Costa sentou-se em nossa frente, em agosto de 2014, a Lava Jato se transformou. Ao mesmo tempo, mudou o modo como víamos o mundo. A corrupção política não era um desvio do sistema, mas o modo de fazer o sistema operar. Ficou claro que parte relevante das oligarquias política e econômica se uniu para saquear os brasileiros. O desafio, para nós e para a sociedade, era bem maior do que poderíamos imaginar.
Os números do caso dão uma amostra do problema. Em Curitiba, a Lava Jato acusou 289 pessoas, e 123 já foram condenadas por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. As penas ultrapassam 1.860 anos de prisão. Muitos réus são poderosos, como oito ex-parlamentares condenados e presos, incluindo um presidente da Câmara e dois chefes da Casa Civil, além de dezenas de donos e executivos das maiores empreiteiras do país. Quase R$ 12 bilhões estão sendo recuperados por meio de acordos.
Em Brasília, apenas a colaboração da Odebrecht implicou quase um terço dos ministros e senadores e quase metade dos governadores —pelo menos 415 políticos de 26 partidos foram mencionados. Investigações se multiplicaram e, pela primeira vez, um presidente da República foi acusado por corrupção. Mas não só ele: seis pessoas próximas foram denunciadas e três dessas, presas. Cinco presidentes da Câmara e seis do Senado também foram implicados.
A corrupção bilionária na Petrobras é apenas a ponta do iceberg que a Lava Jato descobriu: políticos e partidos desonestos há anos têm escolhido pessoas incumbidas de arrecadar subornos para chefiar órgãos federais, estaduais e municipais. Elas fraudam licitações em favor de empresas que pagam propinas. Outros esquemas também foram revelados. Vende-se de tudo: leis, proteção contra investigações parlamentares e empréstimos baratos —o apoio parlamentar é apenas mais uma mercadoria.
A Lava Jato também ajudou a entender por que é difícil sair do fundo do poço: a propina enche os bolsos e financia campanhas eleitorais caras, garantindo a reeleição dos corruptos. Mais de metade dos R$ 6 bilhões em propinas do esquema da Petrobras foi paga para políticos e partidos. Fica difícil aos demais candidatos competir com os corruptos, o que nos coloca no centro de um círculo vicioso da corrupção.
Propagandas eleitorais caríssimas, turbinadas com propinas, fazem qualquer candidato parecer um anjo. Uma vez eleitos, os corruptos têm interesse em manter e ampliar os esquemas que novamente multiplicarão seus votos e fortuna. Esse ciclo deturpa a democracia e torna a sociedade prisioneira da corrupção.
Contudo, as eleições de 2018 oferecem uma rota para a liberdade. Há quatro anos, o consenso sobre a necessidade de políticas públicas anticorrupção vem crescendo.
A corrupção não é um problema de ideologias, mas do Brasil —afeta saúde, segurança, educação, infraestrutura e tudo o mais. Lutar contra esse problema é uma questão de justiça social.
Prender corruptos numa dada operação, por si só, não resolve o problema, ainda que seja um passo indispensável na direção do Estado de Direito. Colocar as esperanças excessivamente sobre o Judiciário, como fez a Itália, ou esperar por heróis que nos salvem são erros que precisamos evitar.
Nossas esperanças devem estar não sobre pessoas, mas sobre instituições e sistemas que funcionem bem. Por isso, a solução para a macrocorrupção brasileira passa necessariamente pela política.
É o Congresso que pode aprovar leis capazes de fomentar, de diferentes formas, a integridade no setor público e privado.
O ano de 2018 apresenta grandes desafios para a Lava Jato, como a consolidação da execução da pena após decisão de segunda instância e a redução do foro privilegiado.
O período após as eleições também promete ser conturbado, com o risco de políticos aprovarem uma anistia de última hora. Contudo, o maior desafio é elegermos deputados federais e senadores que representem nossa diversidade, mas ao mesmo tempo estejam comprometidos com a mudança desse quadro. Após quatro anos, o voto consciente é nossa melhor chance de virar o jogo contra a corrupção.
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Deltan Dallagnol, mestre em direito pela Harvard Law School (EUA), é procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato.
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