Nesse clima sorumbático após a grandiosa “copa-das-copas”, o governo corre o risco de assumir os erros de todo mundo: jogadores, treinador, cartolas, juízes, CBF, Fifa, bandeirinhas, até do colombiano brutamontes. Mas isso não é justo, afinal nenhum membro do governo estava jogando. Esse papel é bom para torcedores, que se imaginam em campo como se fossem a própria seleção. Também não há motivo para tirar o corpo fora às pressas após o fracasso. Enfiar o rabo entre as pernas agora, acaba sendo um reconhecimento de culpa, já que tiveram a ideia não muito brilhante de vincular a própria imagem ao “padrão Filipão”. Deixemos o Filipão ajustar sozinho as contas com CBF, Fifa, cartolas e demais prestidigitadores do rendoso ilusionismo coletivo, e valorizemos as grandes vitórias do governo em tantos outros campos.
(Como?! Vitória em quê? Esse sujeito deve ser débil mental!)
Não, caro leitor, estou apenas exercendo e aperfeiçoando a minha função de observador. Depois de renunciar ao posto de candidato a goleiro da seleção, decidi agir de acordo com minha versão pessoal do provérbio cada mau caco no seu galho. No galho em que me instalei, desenvolvo observações para esclarecer meus 28 leitores sobre assuntos em que quase ninguém pensa. Procuro entender, por exemplo, por que o governo prefere divulgar negativamente os índices negativos – como o susto da Bolsa depois da fuga dos eleitores – ao invés de comemorar índices em constante ascensão. Como não sou negativista, apontarei sinteticamente alguns desses índices grandiosos, grandiloquentes, e convido-o a examiná-los comigo.
Começo pelos altos índices da inflação, que vem pondo as manguinhas de fora discretamente há alguns anos. Agora se desinibiu, e já avança desembaraçadamente, descaradamente, nesse caminho conhecido e sem retorno.
Os impostos já consomem 5 meses do nosso trabalho anual, sempre crescendo em ritmo de marolinha. Como o número máximo é de 12 meses, brevemente só nos restará o 13º salário para nossas despesas.
O déficit da balança comercial cresce em ritmo de goleada. É previsível que outros países não queiram perdoar nossas dívidas, ao contrário do que fazemos com os “companheiros”, e logo teremos de comemorar também altos índices de vida dura.
O número de obras inacabadas cresce em ritmo de Brasília, e elas serão uma herança maldita para o sucessor. O marketing do atual governo deveria acentuar desde já essa grandiosa herança maldita, para desanimar os candidatos da oposição.
Depois de baixar a pauladas os juros arrogantes e a conta de luz implacável, a eficiência do governo já os fez retornar à sua magna estatura.
Poderíamos ir longe nesses índices invejáveis e de crescimento portentoso: Dívida interna, dívida externa, criminalidade, ociosidade industrial, saúde pública progredindo de terceiro para quarto mundo, corrupção galopante, contabilidade criativa. Nada disso é ponto fora da curva, engrossa um conjunto que sobe em ritmo de avião em parafuso. Sugiro que você mesmo examine esses índices, pois vou dedicar o espaço final ao emprego. O fato é que não consigo compreender os marqueteiros, deixando de enaltecer o “pleno emprego” e esquecendo o índice de desemprego.
(Ótimo! Mas esse índice baixou, e eu concordo também com isso).
Vamos devagar. Você sabe explicar por que o desemprego vem baixando há vários anos? É claro que sabe, até por experiência própria, mas não ligou uma coisa com a outra. Vou fazer isso agora, didaticamente, para não lhe restarem dúvidas.
Uma condição para receber bolsa família é não ter emprego com carteira assinada, quem se emprega perde o direito à bolsa. A consequência inevitável é que muitíssimos beneficiários, não querendo perdê-la, passam a não procurar emprego, e até recusam empregos que lhes são oferecidos. Para estes, a situação de bolsista é desejável e até invejável, muito de acordo com a mentalidade que se exprime numa modinha conhecida:Se compro na feira feijão, rapadura, pra que trabaiá?
Acontece que o índice de desemprego é calculado com base em cadastros dos que perderam o emprego ou estão à procura de emprego. Portanto, se os da bolsa família não procuram emprego, o índice não os considera desempregados. O índice real teria de incluí-los como desempregados, mas por esse sistema ele os exclui, e assim os “diz-empregados”. São imperdoáveis, merecem um colérico piripaque presidencial, os marqueteiros que ignoram índices tão majestosos e eloquentes.
Considerando que as bolsas são pagas com impostos de empregados e empregadores, você e eu estamos pagando diz-empregados para não ter empregados, e alegramos assim um mesmo curral eleitoral a serviço de espertalhões.
Entendeu agora? Não lhe parece que esse pessoal todo deve ser posto no olho da rua? Teremos brevemente uma boa oportunidade para isso. Não deixe de usá-la.
(www.jacintoflecha.blog.br) (*) Jacinto Flecha é médico e colaborador da Abim
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