Por Humberto Pinho da Silva
Depois dos dias fúnebres da Semana Santa, chegava o
alegre domingo de Páscoa. A ressurreição de Jesus.
Nas nossas aldeias - que eram relicários de tradições,
- os cristãos agrupavam-se no templo, entoando jubilosos hinos e aleluias.
Do alto de rústicos campanários, tangiam festivamente
os sinos, em animada e pueril gralheada.
Saiam os compassos, cada um com sua cruz alçada.
Envergando alvas opas, homens acompanhavam o prestimoso abade ou seminarista, que
levavam o Senhor de casa em casa.
Tapetes de verdes e flores, vestiam toscos caminhos e
soleiras de entrada, que devotas mulheres colhiam com carinho e Amor.
Estalejavam alegremente foguetes, em alarido
desenfreado; e alvoraçados cachorros, em roda-viva, pareciam, também, dizer:
Chegou a Páscoa!... Chegou a Páscoa!...
As famílias reuniam-se à mesa, que permanecia coberta
de branquíssima toalha, com o tradicional folar, amêndoas cobertas de açúcar,
pão-de-ló e vinho fino.
No meu tempo de menino, no Sábado de Aleluia, nas
igrejas, retiravam-se os panos roxos que recobriram as imagens, nos dias
tristes de Quaresma. Os altares, que permaneceram despidos, engalanavam-se
nessa hora de alvíssimas toalhas e vistosas flores de cores garridas, enquanto
os sinos soavam ao desafio, em animada e ruidosa desgarrada.
Nas ruas, grupos de rapazes e moças, confeccionavam
boneco de trapos, que suspendiam num poste. Era o “Judas”. Boneco que recolhia
na pança, numerosas bombas carnavalescas, e lembrava certa figura, em regra,
pobre diabo, bombo de festa do garotio.
Pegava-se, então, fogo aos pés, e para gáudio de
todos, assistia-se ao queimar do “Judas”, que estourava entre gritos e palmas
da rapaziada.
Nesse tempo, no dia de Páscoa, os afilhados visitavam
os padrinhos, levando-lhes raminho de flores ou de oliveira, benzido em
Domingos de Ramos.
Estes retribuíam com amêndoas ou dinheiro. A isso,
chamava-se pedir o folar.
Em terras montanhosas, nomeadamente em Trás - os -
Montes e Beiras, folar era, e ainda é, gigantesco bolo, recheado a carne, que
tinha, por vezes, feitio de alguidar.
Mais romântico e citadino, eram as caixinhas de
porcelana, que os namorados ofereciam com amêndoas. Eram de todos os tamanhos e
feitios, algumas de grande beleza.
Bem diferente se comemora, nos nossos dias, o tempo
pascal. Poucos são os que participam e vivem as cerimônias da Semana Santa; as
velhas tradições quase desapareceram e, sem elas, morre um pouco da alma
portuguesa, as raízes que a identificam.
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