Nessas últimas semanas, Tropa de Elite 2 voltou a ser assunto de várias formas. Primeiro quando se tornou o filme brasileiro pré-selecionado para concorrer ao oscar de melhor filme estrangeiro. Segundo porque o filme está estreando no circuito internacional e já começa a repercutir. E terceiro porque estreou também na programação da TV a cabo, uma ótima oportunidade para revê-lo. Há um ano escrevi um texto a respeito, ainda no calor da discussão. Hoje, relendo-o, não retiro uma vírgula. Não sou crítico de cinema, nem nada disso, mas tenho opinião — e acho sinceramente que, muito além de ser o filme mais visto na história do cinema brasileiro, é o melhor filme já feito por aqui. Circunspecto, sincero, denso e incrivelmente real.
Quem viu o filme sem ter acompanhado o noticiário político perdeu uma grande chance de entender como as coisas funcionam no Brasil. Várias tramas paralelas e personagens retratados não saíram da imaginação fértil dos roteiristas. Esses personagens estão aqui, entre nós. O mais notório deles, Diogo Fraga, como se sabe, é baseado no deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que presidiu a CPI das milícias, que culminou com a cassação do deputado Álvaro Lins (PMDB-RJ). Lins, um ex-policial ligado ao jogo do bicho e ao crime organizado e ex-secretário de segurança do governo Garotinho, teria inspirado o personagem Guaraci, que é o secretário de segurança pública do Rio e se elege deputado com dinheiro da milícia. Não surpreende que Fraga tenha sido ameaçado de morte no filme e Freixo — na condição de pré-candidato a prefeito em 2012 — esteja saindo do país pelo mesmo motivo.
Há outros paralelos entre o filme e fatos reais, é só pesquisar. O flagrante que os milicianos deram nos jornalistas no filme se aproxima bastante do doloroso relato dado pelo repórter fotográfico Nilton Claudino à revista piauí. Já o governador, eleito e reeleito no filme poderia ser tanto Garotinho quanto Sergio Cabral, pois parece que ambos gostam de tirar fotos ao lado de milicianos. E temos o personagem Fortunato que fatura alto (tanto em dinheiro quanto em votos) fazendo a demagogia televisiva do “bandido bom é bandido morto”. Ligue a TV às 18 horas e verá um monte desses discípulos de Ratinho e Datena, se aproveitando da indignação e do medo das pessoas para esconder delas a única coisa que movem esses apresentadores policiais: o dinheiro.
Outro achado do filme, de extrema felicidade, é deixar provocações tanto à esquerda quanto à direita. Não deixa de ser irônico que o Coronel Nascimento comece o filme chamando Fraga de “Che Guevara” e “intelectualzinho de esquerda” e termine se unindo a ele na CPI das milícias, após ter percebido que seus maiores inimigos estavam dentro de sua própria corporação. É de se pensar também que Fraga comece o filme denunciando a truculência da polícia e termine se unindo a Nascimento, a quem passou a vida chamando de “fascista”. Nenhum filme nacional conseguiu escanear o Brasil sob vários ângulos e ainda esmiuçar a nossa política com tanta precisão. Nenhum filme nacional conseguiu retratar o Brasil em toda a sua complexidade, pondo abaixo os argumentos tanto da esquerda quanto da direita naife. Não, o “bandido bom é bandido morto” não vai resolver o problema. Nem achar que violência se combate com “justiça social”. O filme já deixou expostos os furos dos dois discursos. Resta saber se os ideólogos vão abrir mão de suas paixões e entender que o problema é muito mais complexo do que isso.
Ainda é cedo para saber se Tropa de Elite 2 vai ou não ganhar o oscar, mas esperamos que, dessa vez, “o sistema” hollywoodiano não deixe de dar o devido reconhecimento a essa obra prima.De http://blogs.estadao.com.br/
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