Por Humberto Pinho da Silva
Asseveram os psicólogos, que a criança, é, por natureza, mentirosa e imaginativa. Sempre que descreve episódio que presenciou, acrescenta pormenores, fruto da imaginação fértil.
Todavia mostra-se exigente nos relatos dos outros, como afirma Maurice de Fleurey - “ Le Corps et l’Alme de l’Enfant”: “ Revelam-se (se) zelosas da verdade quando se trata da discrição de outra pessoa.”
Fá-lo alegremente, para sentir o prazer de emendar o adulto.
O introito vem no intuito de abordar o insólito caso, que esteve em voga, em França, no início do século:
Virginie, de 14 anos, frequentava colégio em Reims. Em íntima confidencia, segredou à amiga, que fora violada pelo pai, empresário, de origem portuguesa.
Pediu-lhe, todavia, encarecidamente, que não revelasse o segredo.
Por que mentiu? Por vaidade? Por complexo de Eróstrato? Por criancice? Não sei.
Sei que no dia imediato, a colega revelou, à puridade, o escabroso incesto.
Horas depois a diretora da escola, teve conhecimento, e comunicou-o à polícia.
Começou aqui a tragédia. A menina foi imediatamente retirada da família, e os pais, interrogados, separadamente.
O pai, atónito, nega. A mãe, aflita, pede para conversar com a filha. É-lhe negado.
Perante o mutismo da menina, nos interrogatórios, o advogado, aconselha o pai, para aliviar a pena, que confesse que houve realmente ligeiras carícias. O jurista receava que o cliente viesse a perder a empresa e até a própria residência.
António Madeira foi levado a julgamento, realizado em Junho de 2001. Perante a juíza, a filha - por timidez ou vergonha, - manteve-se em absoluto silêncio. Respondia por sinais.
Bem declarava a mulher Lucília Marques, que o marido estava inocente; que tudo era invenção da filha. Talvez para encobrir leviandade, mas ninguém a ouviu.
Dois anos passaram. Virginie tem 17 anos. A pedido da mãe, a juíza, autoriza o encontro com a filha. Estamos em Julho de 2002. Virginie encontra-se internada no foyer ( lar de crianças violadas e maltratadas).
No encontro, a menina, declara:
“ Mamã: o papá está inocente!”
Confessa que se comportara assim, porque sentia ciúmes do irmão, que, por ser doente, recebia os carinhos dos pais.
Ao ter conhecimento que o falso incesto se espalhara, faltou-lhe coragem para desmentir.
Nunca pensou que o pai fosse condenado a 12 anos de prisão. Para ela, os inocentes, não eram presos.
Mergulhada em terríveis remorsos, ao atingir a maior idade, escreve ao Presidente da República Francesa e a deputada. Tudo foi em vã.
A 27 de Fevereiro de 2006, dirige-se ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra, para submeter-se a exame.
Verificaram que era virgem. A polícia francesa enganara-se, devido a operação que realizara quando tinha seis anos.
Tudo está publicado no livro “ J’ai Menti” de Brigitte Vital-Durand, coadjuvada por Virginie.
O caso caiu no esquecimento, mas é aviso sério para os que julgam e investigam, casos semelhantes (*).
Como a justiça se engana! Como a mentira de uma filha, pode levar o pai à prisão!
* - Recentemente, em Portugal, menina de 15 anos, contou a uma professora que o pai a violava e maltratava. Imediatamente retiraram-na da família, e o pai foi preso e impedido de ver a filha.
Decorrido um mês e alguns dias, esta disse à madrinha, que o pai estava inocente. Mentira, por raiva de lhe ter batido. - “ Jornal de Notícias” 29/07/13.