por Fernando Duarte
Agora Santa Dulce dos Pobres, Irmã Dulce sempre foi uma figura politizada. Foi também em meio a poderosos que ela conseguiu erguer uma das maiores obras sociais do país e uma referência no tratamento de pessoas carentes. Em 2019, no dia da sua canonização, no entanto, Irmã Dulce conseguiu um feito e tanto: manteve distante o uso político da sua imagem, ainda que não tenham faltado tentativas de capitalizar a primeira santa nascida no Brasil para associá-la a figuras com mandato. Aparentemente é a santidade já exercida com vigor.
Para o Vaticano, houve uma verdadeira romaria de “devotos”. Tanto figuras da cena baiana quanto nacionais. Alguns desses tinham ligações religiosas com o catolicismo e com Irmã Dulce e suas presenças são facilmente justificáveis. Outros nunca foram lá muito religiosos e aproveitaram a oportunidade para viajar com recursos públicos e, simplesmente, marcarem pontos com as redes sociais, ao marcarem “Praça de São Pedro” como localização. Como credo nunca deve ser discutido, a reflexão deve ficar com cada um desses dois lados que, em alguns momentos, chegam a se cruzar.
Mesmo com essa horda de recém convertidos, eles tiveram pouco espaço na imprensa para falar sobre o que Santa Dulce dos Pobres representa para Salvador, para a Bahia e para o Brasil. A imagem de Irmã Dulce falou mais alto do que qualquer figura pública quisesse se expressar. Isso é uma prova que a nova santa se tornou ainda mais universal do que quando transitava nos mais diversos segmentos políticos para pedir apoio para o hospital que nasceu em um galinheiro. A freira baiana ultrapassou as fronteiras da própria existência e transformou a vida de centenas de milhares de pessoas, o que torna o legado dela imortal.
Cabe agora aos políticos identificarem como é possível transcender a obra de Irmã Dulce e ampliar o seu exemplo, trazendo a figura da santa também para a administração pública. Não do ponto de vista de levar a santa para dentro dos gabinetes, mesmo porque o Estado é laico e isso não deveria ser possível. Mas de beberem nessa fonte de inspiração do cuidado ao próximo, do carinho pelos mais carentes e de que, mesmo com pouco, é possível construir algo maior que si – e sem necessariamente ganhar algo em troca.
A canonização da freira baiana abre um leque de oportunidades não apenas para a comunidade católica soteropolitana, reforçada agora com uma personagem como a de Irmã Dulce. Mas também do ponto de vista socioeconômico. O fluxo de turistas para o Memorial de Santa Dulce dos Pobres deve aumentar e, conforme antecipou Dom Murilo Krieger, a cidade não teve tempo de se preparar para isso. Se a capital baiana souber aproveitar esse potencial, Salvador pode ser inserida, de maneira ainda mais forte, no mapa do turismo religioso. E isso não deve ser uma iniciativa da prefeitura de Salvador, mas integrada com o governo da Bahia e com a União. Talvez aí a nova santa precise operar mais um milagre, já que esses entes federativos não costumam conversar.
Este artigo também gostaria de aproveitar para fazer um pedido para Santa Dulce dos Pobres. Que a nossa santa baiana consiga intervir para que a nossa realidade dura seja mais doce. Independente de acreditar ou não em Irmã Dulce, que nossos políticos possam ser tocados pelo exemplo de bondade em torno da freira baiana. É também importante agradecer: por ter se tornado uma figura que transcende qualquer tentativa de capitalizar politicamente a imortalidade de uma obra social.
Este texto integra o comentário desta segunda-feira (14) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para as rádios Irecê Líder FM, Clube FM, RB FM e Valença FM.
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