“Quero ser um espelho que reflita uma nova realidade, pois hoje me torno pedagogo.” A declaração emocionada encerrou o discurso de formatura de Venilton Leonardo Vinci, de 55 anos. Um marceneiro cuja história não se destaca pela idade com a qual cursou a primeira faculdade da vida, mas pelas condições que enfrentou para isso.
Preso há dez anos na Penitenciária I de Serra Azul (SP), Vinci é o primeiro detento de São Paulo a concluir o ensino superior dentro da prisão, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). "Agora, eu só penso em sair da prisão e contar a minha história para os jovens, mostrar que o crime não leva ninguém a lugar nenhum. Quero ser um instrumento de transformação na vida dessas crianças”, diz.
Condenado a 28 anos de prisão por roubo e homicídio, Vinci tem uma extensa ficha criminal. Em 2005, quando foi detido pela última vez, já não contava mais com o apoio da família, nem dos amigos. Sozinho na cela, o detento decidiu reescrever sua história e o primeiro passo foi se matricular nas aulas dentro do presídio, para concluir o ensino médio.
Em um ano e meio, Vinci acabou se tornando monitor e passou a alfabetizar os colegas, sob a supervisão dos professores. Aprendeu o método braile por meio de um projeto desenvolvido dentro do sistema penitenciário paulista e, a partir disso, conseguiu ajudar outro detento, com deficiência visual, a concluir o ensino fundamental.
“Através dos estudos, eu mudei totalmente a minha cabeça. Quem quer conversar comigo tem que falar de educação, do que está acontecendo no mundo. Esse papo de voltar para o crime não produz nada”, diz o pedagogo, que aos finais de semana dá aulas de reforço a outros presos. “Eu entrego caderno, borracha e lápis para cada um e pergunto: 'Você quer mudar a sua vida? Então vem comigo'."
Trajetória
Vinci foi detido pela primeira vez aos 20 anos de idade, quando trabalhava como marceneiro e se envolveu com o furto de carros. A partir daí, não sabe contar quantas vezes esteve atrás das grades por diversos crimes, entre eles tráfico de drogas, porte de arma e, por último, homicídio.
“Eu acabei enveredando por esses caminhos porque, quando a gente é jovem, quer pegar uns atalhos na vida. Mas, a minha vida foi piorando e eu fui me enrolando. Até que um dia eu pensei: ‘Preciso dar um basta nisso. Agora, está na hora de reconstruir a minha vida'”, relembra.Através dos estudos, eu mudei totalmente a minha cabeça. Quem quer conversar comigo tem que falar de educação, do que está acontecendo no mundo. Esse papo de voltar para o crime não produz nada" Venilton Leonardo Vinci, pedagogo Matriculado nas aulas dentro da penitenciária de Serra Azul, onde está detido desde 2005, Vinci concluiu o ensino médio em um ano e meio. Quando não estava na sala de aula, aproveitava para ler os livros na biblioteca do presídio, inclusive aos sábados e domingo. “Até inglês eu estudei por conta própria”, diz.
A dedicação foi notada pela direção do complexo penitenciário e Vinci foi convidado a ser monitor do Programa de Educação pelo Trabalho (PET). Nessa função, começou a alfabetizar os colegas e, vendo a transformação de cada um, conta que ficou ainda mais entusiasmado em continuar estudando.
A chegada ao ensino superior
Em 2009, a partir de uma parceria entre o Claretiano Centro Universitário em Batatais (SP) e a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), Vinci e outros quatro detentos se tornaram a primeira turma a cursar o ensino superior dentro de um presídio paulista. O curso oferecido foi pedagogia, em sistema de ensino à distância (EAD).
O grupo prestou vestibular dentro da penitenciária e, pelo desempenho, conquistou 50% de desconto nas mensalidades, que eram pagas com o salário recebido como monitor do PET, cerca de R$ 300. As aulas eram assistidas diariamente, em um computador instalado dentro da unidade prisional, com acesso exclusivo ao site do centro universitário.
Mas, nem todos foram tão perseverantes quanto Vinci, o único a concluir o curso, em setembro desse ano. “Eu agarrei essa oportunidade com todas as minhas forças. Eu fazia os exercícios, os trabalhos e pedia mais. Os professores mandavam apostilas e eu passava horas na cela estudando”, lembra.
Atitude exemplar
Vinci conta que a sua perseverança e a vontade de mudar começou a ser notada pelos outros presos, que passaram a se aproximar dele para pedir conselhos e, principalmente, ajuda nas tarefas escolares. Sem visitas aos sábados e domingos, o ex-marceneiro se tornou um “guardião” das salas de aula do presídio, onde sempre está disponível para ensinar.
Observando as dificuldades dos presidiários, Vinci diz que adaptou a metodologia de ensino à realidade vivida por eles no cárcere. A leitura, a escrita e até a matemática são ilustradas pelo “professor”, como é chamado, com situações do cotidiano.
“Eu digo para eles: você tem dez sabonetes, quanto custa cada sabonete? Eles dizem R$ 1. Então quanto você tem em sabonetes? Dez vezes um, é R$ 10. E se você precisa dividir isso com um companheiro de cela? Então são cinco sabonetes para cada um. As pessoas usam a matemática no dia a dia, mas não se dão conta disso”, explica.
Liberdade
A um passo de cumprir o regime semiaberto, que já foi concedido pela Justiça, Vinci aguarda a transferência para um Centro de Progressão Penitenciária, onde deverá se apresentar apenas no período noturno. Com as manhãs e as tardes livres, o pedagogo já planeja cursar pós-graduação na área de educação.
Graças às notas obtidas na faculdade, Vinci conquistou uma bolsa de estudos no mesmo centro universitário em que se graduou. Além disso, também pretende realizar palestras na Fundação Casa e levar a sua história de vida para outras pessoas.
“Quando eu vejo um professor que não veste a camisa, que não se preocupa com seus alunos, eu fico muito chateado. Se a gente quer construir um país melhor só tem uma saída: educar, preparar essas crianças para o futuro”, diz. Foto: Lívia Gandolfi * Fonte: Adriano Oliveira/G1
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