Por Bruno Lucca | Folhapress
Foto: Divulgação/ FURG

Na decisão, o juiz substituto Gessiel Pinheiros de Paiva, da 2ª Vara Federal de Rio Grande, argumenta que a ação afirmativa não foi bem fundamentada e viola a isonomia ao favorecer uma população. "Foi criada uma vantagem não justificada para uma determinada categoria de pessoas, com base em característica pessoal", escreveu o magistrado no despacho, da última sexta-feira (25).
Ele afirma ser insuficiente a justificativa baseada no número de assassinatos de pessoas trans no Brasil, como fez a Furg. O país, segundo levantamentos de organizações sociais, é o país que mais mata essa população.
Paiva, usando dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), diz que ocorreram 781 assassinatos de pessoas trans entre 2017 e 2021 —a média foi de 156 casos por ano.
O magistrado compara os resultados ao número geral de homicídios no país. Estima-se, segundo o Atlas da Violência, que 616.095 pessoas foram assassinadas que entre os anos de 2011 e 2021, correspondendo a pouco mais de 61 mil pessoas mortas anualmente.
"Portanto, se constata que o número de assassinatos de pessoas trans no Brasil não possui nada de diferente (ao contrário, é ainda várias vezes menor em percentuais) do que a violência geral que assola o país, não havendo como tais dados serem considerados como relevantes para instituição de políticas afirmativas de ingresso em universidade", concluiu o juiz.
Ele ainda ressaltou que universidades federais têm autonomia para elaborar suas próprias normas internas, mas que a autonomia para criação de políticas afirmativas não é livre e irrestrita.
A decisão determina o fim do vínculo dos alunos aprovados por meio das cotas trans ao fim deste ano. De 2023 a 2025, a Furg reservou 30 vagas ao grupo.
A ação pública que motivou o despacho foi movida pelos advogados Bruno Cozza Saraiva e Djalma Silveira da Silva há dois anos. Nenhum deles respondeu aos contatos da reportagem nesta quinta.
No pedido, os homens argumentam ser a promoção de cota para trans "política ideológica que, há tempos, vem ocupando as universidades brasileiras" e não haver na lei a previsão para esse tipo de programa.
Em 2023, uma liminar da 2ª Vara de Justiça de Rio Grande suspendeu edital que criava vagas exclusivas para o ingresso de transgêneros na Furg. Dias depois, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região derrubou a decisão.
A Universidade Federal do Rio Grande afirma que, até o momento, não foi intimada de qualquer decisão em relação ao tema. "A instituição reafirma o seu posicionamento em defesa da sua comunidade acadêmica, e em especial a autonomia universitária, preceito que baliza e legitima as deliberações democráticas aprovadas pelo Conselho Universitário e nas demais esferas deliberativas da instituição".
A reitoria da instituição ainda diz ter compromisso com a democratização do acesso ao ensino superior e afirma que se coloca à disposição da sua comunidade acadêmica, tanto para acolhimento, quanto para a defesa dos seus direitos.
O Diretório Central dos Estudantes da Furg manifesta "total indignação e aversão" a toda e qualquer forma de ataque ao processo seletivo voltado à comunidade transgênero na universidade.
"Nossa universidade é pública, gratuita e socialmente referenciada, e assim sendo não iremos aceitar nenhum passo para trás", diz a entidade.
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