Os impactos trazidos pelo ser humano às florestas e savanas habitadas por chimpanzés não estão ameaçando apenas a sobrevivência física desses grandes macacos. Também estão empobrecendo as manifestações culturais dos símios, segundo um novo estudo.
A mera ideia de que primatas não humanos possuem cultura como nós ainda pode parecer maluca para algumas pessoas, mas a diversidade cultural dos chimpanzés é, na verdade, um resultado bem estabelecido das últimas décadas de pesquisa sobre os bichos.
Bairristas por natureza, os símios desenvolveram comportamentos específicos, que variam de região para região. São coisas como produção e uso de ferramentas, técnicas de caça e coleta, preparação de “ninhos” no alto das árvores e até aparentes modismos (brincadeiras recorrentes com folhas, galhos etc.), sem muita importância para a sobrevivência. Tudo indica que tais comportamentos são aprendidos ao longo da vida, não derivam diretamente das condições ambientais e são transmitidos dentro de comunidades específicas, o que se encaixa na definição de cultura.
Mapear todas essas tradições culturais dá um trabalho dos diabos, em especial no caso de populações de chimpanzés que ainda não foram “habituadas”, ou seja, não se acostumaram à presença de observadores humanos. Uma equipe internacional de pesquisadores, liderada por Hjalmar Kühl, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, usou uma série de métodos não invasivos para estudar tais comportamentos em 46 localidades espalhadas pela África, todas com grupos de macacos “não habituados”.
Kühl e seus colegas empregaram coisas como armadilhas fotográficas (que desatam a tirar fotos dos bichos de modo automático assim que eles passam perto de sensores infravermelhos), análises de fezes e coleta de artefatos de madeira, folhas ou pedra previamente usados pelos chimpanzés.
Ao mesmo tempo, o grupo de cientistas mapeou um índice apelidado de “pegada humana” -uma combinação de coisas como densidade populacional de seres humanos, presença de infraestrutura (como estradas) e cobertura florestal. A proximidade entre os grupos de chimpanzés e a “pegada humana” de cada região dava aos pesquisadores uma ideia dos possíveis impactos dela sobre as manifestações culturais dos primatas.
A equipe de Kühl trabalhou com uma lista de 31 comportamentos conhecidos dos símios -coisas como o uso de pedras para quebrar nozes, o emprego de gravetos para abrir cupinzeiros e “pescar” cupins, “esponjas” feitas com musgo para beber água etc. Acontece que, nas áreas com forte impacto da presença humana, a probabilidade de que qualquer um desses comportamentos fosse registrado era 88% mais baixa, independentemente do tipo de manifestação cultural. Em outras palavras, a impressão é que, quanto mais forte a presença de humanos por perto, menor a capacidade dos macacos de adotar tecnologias ou comportamentos únicos.
Há várias explicações possíveis para o fenômeno. Uma delas traça uma analogia direta com as culturas humanas. Ao longo da história, por exemplo, populações densas e numerosas sempre foram um elemento importante para a manutenção de traços culturais.
Basta pensar numa tribo isolada que perde a maioria de seus membros durante uma epidemia ou uma guerra: as chances de que a língua falada por esse grupo desapareça é relativamente alta. Talvez uma coisa parecida esteja acontecendo com os chimpanzés das áreas sob alto impacto humano, as quais tendem a abrigar uma população bem menor de macacos e, portanto, trazem menos oportunidades para a transmissão da cultura chimpanzé de uma geração para outra.
Outra possibilidade é que, com a perda de recursos naturais (derrubada de árvores, desaparecimento de fontes de alimento etc.), os traços culturais que dependiam deles passam a ser menos praticados pelos primatas. Ou então, por atraírem a atenção de caçadores humanos (é o caso da quebra de nozes com pedras, que é barulhenta), tais comportamentos seriam abandonados.
“Nossos achados sugerem que estratégias para a conservação da biodiversidade deveriam ser ampliadas, incluindo a proteção da diversidade comportamental dos animais também”, declarou Kühl em comunicado oficial. Áreas em que muitos elementos da cultura dos macacos foram mapeados poderiam virar “sítios de patrimônio cultural chimpanzé”, diz o pesquisador.
Além de proteger os bichos, uma medida desse tipo ajuda a dar guarida a um conhecimento valioso sobre as próprias origens da humanidade, já que os chimpanzés são excelentes modelos de como teria sido a vida de ancestrais remotos do Homo sapiens, há vários milhões de anos. FOLHA DE S. PAULO
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