Testemunha-chave na investigação do CNJ conta ao O POVO o que presenciou do esquema de corrupção no Tribunal de Justiça. Cita advogados, servidores e desembargadores.
A clássica cena da mala cheia de dinheiro aconteceu. Certa vez, o emissário vindo de um escritório de advocacia chegou na portaria do Tribunal com a dita pasta preta. Escondia mais de R$ 400 mil e queria entregar diretamente na mão do desembargador. Era plantão de feriado, fim da tarde, e o magistrado cumprira o acordo, soltou "uns caras aí". Mas, ciente do risco, o douto togado pediu cuidado e não deixou que o homem subisse ao gabinete. Chamaria atenção. Tratou de receber o pagamento de outro jeito.
O relato é de uma testemunha-chave, que prestou depoimento ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em setembro de 2014, na investigação sobre a venda de liminares por desembargadores do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Esquema que seria sustentado por escritórios de advocacia a partir da clientela do crime. Servidora, ela conta que chegou a ver o homem da mala e confirmar quem a receberia.
Num dos momentos do depoimento ao CNJ, a testemunha descreveu a insistência de um advogado: "Pode fazer o alvará logo, porque vai sair a favor". Naquele dia, num primeiro momento, a soltura não foi concedida, mas imediatamente o advogado fez uma ligação para o desembargador, que então disse ter se enganado e reformulou sua decisão. O advogado saiu rindo e ela, ali, assustada com o que vira. O criminoso representado foi mesmo solto.
Pessoas "certas"
Durante uma hora e meia, O POVO ouviu da testemunha o relato de várias das práticas que o esquema adotava para corromper alguns dos magistrados, assessores e servidores do Tribunal. Os nomes listados, repassados ao CNJ, não serão publicados, por enquanto, para não atrapalhar a investigação.
Os escritórios de advocacia suspeitos, segundo ela, não se continham em assediar mesmo quem estivesse “fora do jogo”. Ofereciam dinheiro por favores - de sumir com folhas de processos a desviar os autos de um gabinete para outro ou pedir para que documentos chegassem às pessoas “certas”. Mas geralmente também já era certo quem os advogados iriam procurar e em quais gabinetes tinham acesso mais livre.
“Há os desembargadores que sempre foram comentados, de que são mais fáceis de dar liminar”, disse a testemunha. “Teve um advogado que pediu para ser apresentado à pessoa que facilitava o esquema. Queria entrar também. Tinha um funcionário que vendia páginas de processos”. A servidora admite que chegou a temer pela própria vida, nos momentos em que se negou a atalhar processos ou alterar papelada. “Eles têm poder”.
Ao CNJ, a testemunha deu cinco nomes de desembargadores, do que soube ou presenciou de malfeitos. Segundo ela, muitas vezes eram os assessores, os filhos, maridos ou esposas dos magistrados que organizavam contatos e o pagamento pelas liminares.
Na última segunda-feira, 15, a Polícia Federal realizou a operação "Expresso 150", alusão aos R$ 150 mil que supostamente eram pagos por decisão negociada com desembargadores. Três deles - Carlos Feitosa, Váldsen Alves e Paulo Timbó (os dois últimos já aposentados) - foram obrigados a prestar depoimento sobre o caso.
Em episódio inédito, a PF chegou a cumprir mandado de busca e apreensão no gabinete de Feitosa. Por ordem do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ele foi afastado do cargo por 90 dias. No dia seguinte, após contato por telefone com a corregedora do CNJ, ministra Nancy Andrighi, a presidente do TJCE, Iracema Vale, emitiu nota afirmando que "o Tribunal cearense vai colaborar no que for possível com as investigações". (Cláudio Ribeiro e Demitri Túlio). Fonte: O Povo
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