Às vezes, é preciso chegar ao fundo do poço para se descobrir a luz. Foi exatamente o que aconteceu com o Paraguai ontem: a equipe entrou em campo no Estádio La Portada derrotada, humilhada. Não pela Argentina, mas por seu histórico recente: um vice-campeonato de Copa América onde não venceu sequer um jogo, uma eliminatória desastrosa e um histórico de uma vitória em nove jogos após a Copa de 2014. Pegar a principal favorita ao título da competição logo na estreia, com um Messi aparentemente mais inspirado do que nunca, era o prenúncio de um vexame histórico.
A prova está em Ramón Díaz, treinador da albirroja. Técnico histórico por formar o espetacular River Plate dos anos 90, o argentino nunca foi adepto do defensivismo. Porém, entrou em campo com uma escalação covarde: tentou parar o fortíssimo 4-3-3 de Tata Martino com um 4-5-1-0. O zero no final é necessário, pois salienta que Roque Santa Cruz, homem mais avançado da equipe, não atuava como atacante. Ele se limitava a marcar a saída de bola de Mascherano, único volante de origem do time platino.
O covarde 4-6-0 paraguaio não segurava a poderosa Argentina e caminhava para um vexame
Raras se viu um jogo tão em meia-linha: a Argentina teve quase 80% do tempo de posse de bola no primeiro tempo. Chegou ao 2 a 0 com naturalidade, em ritmo de treino. A superioridade era tanta que os gritos de "olé" vinham antes dos 20 minutos, com o placar ainda em branco. Roncaglia, zagueiro de origem, sem ter a quem marcar, subia o tempo todo pela direita, como se fosse um grande ala ofensivo. A goleada era uma questão de tempo. E a vergonha, gigantesca: mesmo vivendo péssimo momento histórico, mesmo com dificuldades de renovar, o Paraguai não precisava ter se apequenado tanto. Ainda que muito inferior aos bicampeões mundiais, tinha condição de fazer um enfrentamento razoável se ousasse atacá-los. Tudo é uma questão de confiança. De postura, como eu costumo dizer por aqui.
Ramón Díaz viu que o jogo acabaria em 5 ou 6 a 0 se seguisse daquele modo e mudou o posicionamento da equipe no intervalo. Sacou o volante Ortiz, colocou o meia Derlís González em campo e o abriu pela direita, fazendo o mesmo com Bobadilla pela esquerda. A equipe atuava agora em duas linhas de quatro, com os meias tendo a liberdade de subir e se juntarem a Roque Santa Cruz e Haedo Valdez, que agora eram de fato atacantes que se procuravam. Demorou um pouco até o time entender o recado. Quando estes ousaram tramar alguma jogada, a partida mudou completamente de figura. E o 5 a 0 previsto ficava cada vez mais longe: de 2 a 0 para 2 a 1, e daí para um empate espetacular no fim, com Benítez e Barrios em campo. Sim, o Paraguai acabou no mesmo 4-3-3 dos argentinos. Confiança é tudo no futebol, esse jogo maluco e, por isso, tão lindo.
Com um 4-4-2 em linha e uma nova postura, a equipe guarani resolveu mudar de postura, e transformou uma partida com cara de goleada em um empate espetacular
O Paraguai entrou em campo derrotado e saiu dele vitorioso. Derrotado por seus péssimos últimos quatro anos e vitorioso pela coragem de acreditar que, sim, era possível confiar em suas forças para surpreender um rival bem mais forte. É claro que a seleção guarani precisa evoluir muito, mas uma coisa era clara desde antes do jogo: uma seleção com Santa Cruz, Haedo Valdez, Ortigoza, Bobadilla e Benítez pode jogar mais, tem condições de fazer um confronto digno contra as grandes do continente. Basta se organizar e, principalmente, acreditar. Pode ser pouco para a tão necessária renovação do futebol guarani, mas o suficiente para bagunçar toda a Copa América.
Se o clássico entre Argentina e Uruguai parecia uma mera formalidade de disputa de liderança, agora ele é decisivo. E mais: pelo que a Celeste e a Jamaica apresentaram no primeiro jogo da chave, todos têm condições de classificação. A briga deve envolver as quatro equipes até a última rodada. Já pensaram na Argentina não sendo líder e caindo no colo de Chile ou Brasil já nas quartas de final?
Obrigado, Paraguai, por esquentar uma Copa América que vinha sendo pra lá de chocha.
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