Urna eletrônica utilizada nas eleições. Certeza do voto dá pista sobre possibilidade de avanço dos candidatos
Dimitrius Dantas e Rafael Galdo
Duas urnas com resultados antagônicos numa só cidade. Em uma, o presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) garantiu todos os votos válidos do segundo turno. Na outra, 100% foram para
Jair Bolsonaro (PL). Pode parecer roteiro de fake news, mas aconteceu em Charrua, no noroeste do Rio Grande do Sul. E o que soa quase impossível num Brasil dividido eleitoralmente não foi tão raro assim: segundo levantamento do GLOBO com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 147 seções do país um dos candidatos ao Palácio do Planalto conseguiu ser unanimidade no último domingo. O placar foi favorável ao petista, que venceu sem chance alguma para o adversário em 144 urnas, contra três dessas vitórias absolutas para a conta de Bolsonaro.
Um dos consensos chegou a virar teoria conspiratória de fraude nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Numa seção de Confresa, no Mato Grosso, teoricamente um domínio bolsonarista, foram 383 votos válidos, exclusivamente em Lula. Mas o que gerou estranheza nas redes sociais foi logo esclarecido pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MT): a urna da Escola Estadual Tapi’itawa recebeu os votos da aldeia indígena Urubu Branco. E, como o cacique local confirmou, todos optaram, de fato, pelo petista.
Aldeias e quilombos
Esse mesmo fenômeno se repetiu em outras regiões, majoritariamente longe dos grandes centros urbanos, em povoados rurais, aldeias indígenas e comunidades quilombolas ou ribeirinhas. Nos locais onde estavam essas urnas, 22 tinham “aldeia” no nome; 27, “comunidade”; e outras 51, “povoado”. No Mato Grosso, apesar da vitória de Bolsonaro com 65,08% dos votos, áreas indígenas de Confresa e de outros quatro municípios (Porto Alegre do Norte, Campinápolis, Santa Terezinha e Peixoto de Azevedo) deram 100% dos votos válidos para Lula.
No Amazonas, São Gabriel da Cachoeira foi o município campeão de unanimidades em favor do petista: sete vitórias de 100% , todas em regiões rurais indígenas no Alto Rio Negro, algumas delas em áreas de acesso muito difícil , na fronteira com a Colômbia ou próximas ao Parque Nacional do Pico da Neblina. Ainda no estado, o presidente eleito também foi apoiado pelas comunidades indígenas Vendaval e Santa Inês, ambas no Alto do Rio Solimões, em São Paulo de Olivença.
Num predomínio igual, em Quiterianópolis, no Ceará, os indígenas Tabajaras deram 100% dos votos a Lula — só dois votaram nulo, no número 12, segundo o registro digital da seção. Elenize Tabajara, uma das lideranças locais, diz que o apoio foi natural.
— Somos nordestinos no sertão do Ceará. A maioria aqui tem grande admiração não pelo PT, mas pelo governo que Lula realizou. Bolsonaro não fez um bom governo, principalmente, para comunidades indígenas e quilombolas — diz ela, numa região onde a maioria trabalha com agricultura, não recebe Auxílio Brasil e foi beneficiada por políticas dos mandatos de Lula.