Editorial, Estadão
A longevidade do real real, criado em 1.º de julho de 1994, passou a ser o padrão monetário mais longevo desde o fim dos réis, que circularam do período colonial até 1942. A moeda introduzida pelo Plano Real completou 8.870 dias em 13 de outubro passado, um dia a mais do que o recordista anterior, o cruzeiro, criado no governo de Getúlio Vargas em 1942 e que durou 8.869 dias, até 12 de fevereiro de 1967, quando foi substituído pelo cruzeiro novo. É um feito e tanto, em um país que por muito tempo conviveu com crônica instabilidade monetária – foram nove moedas diferentes ao longo da história brasileira.
O mais notável dessa efeméride é que provavelmente poucos se deram conta dela. Ou seja, o real está tão arraigado no cotidiano das relações econômicas nacionais, desfrutando de confiança aparentemente inquestionável, que nem parece ser mais o caso de celebrar sua solidez. Mas é – especialmente quando aspirantes ao cargo de presidente da República insistem em fazer propostas que, se levadas a efeito, corroerão os fundamentos dessa solidez.
Uma moeda é uma instituição nacional basilar. É na crença de que ela vale o que nela está escrito – isto é, que o emissor honrará o compromisso de preservar seu valor – que todas as relações econômicas se assentam. Ou seja, depende de credibilidade. Uma sociedade que deixa de acreditar em sua moeda, sendo incapaz de estabelecer o valor das coisas, está a meio caminho de se desestruturar, o que inclui a inviabilização da própria democracia, como aconteceu, por exemplo, na Alemanha hiperinflacionária dos anos 20. Portanto, a estabilidade monetária não é uma questão trivial, que possa ser tratada de maneira leviana.
Ainda assim, há quem acredite que o controle da inflação – isto é, do valor da moeda – não deve ser um dogma. O candidato petista à Presidência por interposta pessoa, o presidiário Lula da Silva, acredita ser possível fazer o Brasil “ser feliz de novo” adotando as mesmas políticas irresponsáveis que fizeram a inflação disparar e o desemprego crescer durante o desastroso governo de Dilma Rousseff – aquela que um dia declarou que “despesa é vida”. Lula, por meio de seu preposto, já mandou avisar que sua primeira providência, se eleito, será revogar o teto dos gastos, justamente o grande marco do compromisso do atual governo com a responsabilidade fiscal.
Já o candidato Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas de intenção de voto, até promete preservar o teto dos gastos, mas não garante nenhuma das reformas necessárias para evitar o colapso das contas públicas. E seu histórico como deputado federal indica especial apreço por medidas que concedem privilégios a servidores públicos, o que está na origem dos muitos problemas do País na área fiscal. Além disso, há outro ponto em comum entre Bolsonaro e Lula: ambos se opuseram ferozmente ao Plano Real.
Assim, as perspectivas para a manutenção do arcabouço econômico que sustenta a credibilidade do real não são nada boas. Não há, da parte dos candidatos à Presidência, garantias de que o próximo governo agirá conforme a gravidade da situação. Ao contrário, muitas de suas propostas demonstram pavoroso alheamento da realidade.
Foi justamente a aceitação da realidade – daí o nome da moeda, “real” – que assegurou o sucesso da formidável empreitada iniciada em 1994 e que ainda está em curso. E por realidade entenda-se a aritmética das contas públicas. O Plano Real demonstrou que a estabilidade monetária só é possível se a dívida pública estiver sob controle de fato – e não escamoteada por truques contábeis ou financiada por meio de pedaladas e outras manobras delinquentes. Por isso o plano se sustenta também na Lei de Responsabilidade Fiscal e, agora, na Lei do Teto de Gastos, que constituem o limite legal para as fantasias doidivanas de políticos que acham que dinheiro público brota de árvores.
Assim, em meio ao alarido de uma campanha eleitoral tão marcada pela imprevisibilidade, é importante enfatizar que existe um edifício institucional construído arduamente pela sociedade brasileira para garantir a saúde da moeda, sem a qual nenhum projeto de país terá a mais remota chance de prosperar. É bom que os candidatos tenham ciência disso.
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