por Adriana Fernandes e Lígia Formenti | Estadão Conteúdo
O governo federal segurou R$ 31,25 bilhões de gastos carimbados para a área de saúde nos últimos 15 anos. São despesas do Orçamento da União destinadas à saúde, mas que na prática acabaram canceladas ou ainda não foram efetivamente executadas e pagas. Esse valor poderia bancar, por um ano, 10.416 das mais complexas Unidades de Pronto-atendimento (UPAs), com nove médicos. Também seria possível pagar 161 milhões de sessões de hemodiálise e 70,5 milhões de partos normais, além de comprar 379 mil ambulâncias. O montante represado equivale a um quarto de todo o Orçamento do Ministério da Saúde em 2018. Apesar de não terem sido quitadas ao final de cada ano, essas despesas serviram para o governo comprovar, em cada exercício, o cumprimento do mínimo previsto na Constituição - o piso de recursos que o governo tem de, obrigatoriamente, destinar para aplicação em saúde. Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast mostra que os gastos represados na saúde somam R$ 19,4 bilhões e os cancelados, R$ 11,8 bilhões. Nos dois casos, essas cifras passam a fazer parte da rubrica "restos a pagar", como são chamadas na contabilidade pública as despesas empenhadas (comprometidas e ainda não pagas) que são transferidas de um ano para o outro. O empenho é a primeira fase da despesa pública, quando o governo assume, com o fornecedor ou prestador de serviço, o compromisso de pagar por determinado produto ou serviço. O problema é que, mais tarde, o empenho pode não se transformar em despesa liquidada e paga. "É uma promessa que não são se cumpre. Um cheque pré-datado. Se empenha e o dinheiro de fato não chega", disse Grazielle David, assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Segundo ela, quem mais perde com esse represamento de recursos são os municípios, que precisam colocar mais dinheiro na área da saúde para atender a demanda crescente. "Os municípios já estão no limite." Grazielle ressalta que isso já vinha acontecendo, mas que em 2017 a retenção dessa verba "foi assustadora". Na virada de 2017 para 2018, por exemplo, o Ministério da Saúde incluiu R$ 13,6 bilhões como "restos a pagar" - um valor recorde. Para cumprir o valor mínimo previsto para saúde no ano passado, que foi de R$ 109 bilhões, o governo usou R$ 8 bilhões de restos a pagar. Parte desses recursos, segundo o levantamento, levam até 10 anos para serem quitados. Em 2017, por exemplo, o governo ainda estava pagando R$ 9 milhões de despesas de 2007 e R$ 20 milhões de despesas de 2008. O mais grave, entretanto, são os cancelamentos dos "restos a pagar", que atingem até mesmo despesas liquidadas e que, teoricamente, já teriam sido realizadas. Ao todo, cerca de R$ 4 bilhões de "restos a pagar" processados foram cancelados entre 2003 e 2017. O histórico da evolução dos gastos com saúde mostra que os cancelamentos foram expressivos no ajuste fiscal do primeiro ano de governo Lula, em 2003, e depois voltaram a crescer a partir de 2009, quando as práticas de contabilidade criativa passaram a se disseminar, principalmente em 2011, depois da posse da ex-presidente Dilma Rousseff. Em 2012, o Congresso aprovou uma lei complementar tentando limitar o uso de "restos a pagar" no cumprimento do piso da saúde. A medida contribuiu para dar mais transparência à fiscalização, mas não reverteu o problema.
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