BBC BRASIL.com/Camilla Costa/Da BBC Brasil em São Paulo
A tolerância a opiniões diferentes e o apoio ao sistema político democrático no Brasil estão em seus valores mais baixos desde 2006, de acordo com um novo levantamento.
O estudo 2014 AmericasBarometer é o resultado de entrevistas com 50 mil pessoas em 28 países do continente americano entre janeiro e outubro de 2014 – 1.500 delas no Brasil. Os pesquisadores usaram o mesmo questionário com perguntas sobre como as pessoas avaliavam a segurança em seus bairros, seus governos municipais, a economia, a polícia e o sistema judiciário em seus países.
A pesquisa é realizada há dez anos pelo Projeto de Opinião Pública Latino-Americana (LAPOP, na sigla em inglês), um instituto de pesquisa baseado na Vanderbilt University, em Nashville, nos Estados Unidos. O projeto tem o apoio da Agência Americana de Desenvolvimento Internacional (USAID) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Em 2014, o Brasil aparece como um dos países das Américas onde a população se sente mais insegura e onde está mais insatisfeita com os serviços públicos. A combinação destes dois elementos pode ter contribuído para uma queda no apoio ao sistema político e na tolerância política no país, segundo a cientista política e diretora do LAPOP, Elizabeth Zechmeister.
"Quando as pessoas se sentem muito inseguras no dia a dia, elas tendem a se direcionar – em suas atitudes, valores e comportamentos – de maneiras que podem ser preocupantes para uma democracia liberal forte", disse à BBC Brasil.
"Elas podem se tornar menos tolerantes em relação às pessoas com quem têm diferenças ideológicas. Isso aparece volta e meia nas minhas pesquisas. Ameaças à segurança tendem a diminuir a tolerância."
O apoio ao sistema político foi avaliado através de perguntas sobre o nível de respeito do entrevistado às instituições políticas, se ele acredita que tem acesso a julgamentos justos, se tem a sensação de que os direitos básicos do cidadão são garantidos pelo sistema político e se tem orgulho de viver neste sistema.
Já a medição da tolerância política se baseia na opinião dos entrevistados sobre as pessoas que criticam o sistema atual de governo (e não apenas o governo em exercício). O questionário pergunta, entre outras coisas, se essas pessoas deveriam ter direito a votar e se deveriam poder realizar manifestações ou concorrer a cargos públicos.
Atitudes menos democráticas
Em uma escala de 0 a 100, o apoio ao sistema democrático no Brasil neste ano ficou em 37,6 – o menor valor desde 2006, quando este fator começou a ser medido pelos pesquisadores. A aprovação mais alta ao sistema foi registrada em 2010 – 50 pontos.
Apesar de não ter tido uma queda tão pronunciada, a tolerância política também diminuiu em 2014: ficou em 52,9 pontos na mesma escala de 0 a 100. Em 2010, os entrevistados brasileiros atingiram 59 pontos.
"Nós acreditamos que podemos usar esse perfil de opinião pública para ter um melhor entendimento sobre a qualidade e a estabilidade dos governos desses países nos próximos anos", explica Zechmeister.
"Em 2009, os dados que tínhamos sobre Honduras indicavam uma mudança na opinião pública que poderia conduzir a uma instabilidade política. Não quer dizer exatamente que nossos dados previram o golpe (militar, que ocorreu em junho daquele ano, com a prisão do presidente Manuel Zelaya), mas acreditamos que apontaram o rumo que aquela democracia poderia tomar."
Ela afirma, no entanto, que os resultados do Brasil em 2014 não são considerados alarmantes. "Os dados que temos são consistentes com os protestos que aconteceram recentemente no Brasil, mas não diríamos que a democracia brasileira esteja em perigo. Vemos um número significativo de protestos em todo o continente americano."
"Acreditamos que haverá mais protestos no continente, inclusive no Brasil, mas isso é um sinal de que as pessoas estão expressando sua insatisfação e buscando participar. É assim que a democracia deveria funcionar. Os governos precisam responder a essa mensagem", diz.
Sensação de insegurança
Cerca de 27,3% dos brasileiros entrevistados afirmaram que segurança é o principal problema do país – número menor que o de países como Peru, Guatemala, Colômbia, México, Argentina e Venezuela, mas superior a Bolívia, Chile, Estados Unidos, Paraguai, Haiti, entre outros.
O número de brasileiros que disseram ter sido vítimas de ao menos um crime em 2014 foi de 16,4%, um resultado quase idêntico aos Estados Unidos, onde 16,7% das pessoas disseram o mesmo.
No entanto, o Brasil aparece entre os primeiros no ranking de países cuja população afirma se sentir mais insegura em seus próprios bairros:
69,9% dos brasileiros disseram ter testemunhado ou ouvido falar de roubos em sua vizinhança (o quarto maior número);64,6% disseram ter visto ou ouvido falar de venda de drogas ilegais (mais do que em todos os outros países);51,1% dizem ter testemunhado ou ouvido falar de assassinatos em sua vizinhança, novamente o maior índice do continente.Além disso, 55,9% dos entrevistados disseram ter evitado determinadas áreas por medo de crimes em 2014. É o terceiro país onde isso mais aconteceu, atrás da Venezuela (70,6%) e da República Dominicana (58,7%).
"Queremos que os governos vejam realmente nesses dados um barômetro da satisfação dos cidadãos. Por isso aplicamos exatamente o mesmo questionário a todos eles", diz Zechmeister.
Segundo o levantamento, os brasileiros estão ao lado de povos andinos e caribenhos entre os que confiam menos nos governos locais. O Brasil foi o sexto país mais mal avaliado no quesito estradas, o quarto com a pior avaliação das escolas públicas, o que recebeu a pior avaliação em saúde pública e o segundo pior avaliado em termos de serviços públicos locais em geral, à frente apenas da Jamaica.
Os entrevistados brasileiros também demonstraram, em média, o menor índice de confiança no sistema judiciário – mais de 80% dos entrevistados disseram ter pouca ou nenhuma confiança de que a justiça pune culpados de crimes.
Em um ano onde se multiplicaram notícias sobre linchamentos e grupos de "justiceiros" em diversas cidades, 74,3% dos brasileiros disseram desaprovar a atuação de linchadores e pessoas que fazem justiça com as próprias mãos.
No entanto, a maioria dos brasileiros (62,8%) dizem preferir medidas punitivas como solução para a criminalidade – terceiro país no ranking por esse critério, atrás de Paraguai e Belize - enquanto 29,1% disseram preferir medidas de prevenção.
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