Por Humberto Pinho da Silva
No livro de leitura para o 1ª, 2ª e 3ª classe dos liceus, de Abel Guerra, obra adotada no ano de 1927, no Colégio da Formiga, Ermesinde, há um conto de Júlio César Machado, escritor que Camilo considerava: “ Benquisto, que já goza, como La Fontaine, da antonomásia de bom, não por ter ensinado a sua moral aos meninos com historietas de bichos, mas por ser tolerante com todos os bichos. (*) - que se intitula: “O Macaco Juiz”.
É uma interessante fábula em que dois bichanos, após haverem surripiado cibinho de queijo, assentaram socorrerem-se da justiça, para que o juiz, na figura de astuto macaco, repartisse imparcialmente.
A audiência termina com o juiz a devorar o queijo, perante o espanto dos gatinhos.
Lembrei-me desse curioso conto ao ser abordado por amigo, que sobrevive do rendimento de dois apartamentos que adquiriu, aforrando tudo que podia, sempre no receio de chegar à velhice e não ter meios para viver decentemente.
Tinha-os alugado, por sinal, devido à lei existente, mal arrendados, mas era o menos.
O pior foi quando o caseiro, após dar calote, abandonou a casa sem entregar a chave. Não liquidando, também: condomínio, água e electricidade.
Não teve outro remédio senão buscar advogado e manter questão, que se arrastou longos meses.
Pensou arrombar a porta, mas desaconselharam-no, porque o levaria de acusador a réu.
Em vão procurou o caseiro. Andou de inculcas em inculcas, e só à força de dinheiro, conseguiu descobrir o novo paradeiro do homem.
Lembrou-se que havia fiador, mas como emigrara, o advogado disse-lhe que para pouco lhe servia.
Decorrido quase um ano, obteve finalmente autorização para tomar posse do apartamento.
Alegrou-se, mas foi amarga alegria. Ao abrir a porta, deparou com: paredes esburacadas, riscadas, tacos em falta, manchas e nódoas negras, nos armários da cozinha e na pequena dispensa.
O mestre-de-obras fez orçamento. Rondava milhares de euros.
Então meu companheiro de escola, quase choroso, declarou-me:
- Dizem que é bom poupar; para quê!? Vem financeiros e roubam; vem o Estado e tira; vem a Justiça e pede dinheiro para que se faça…Bem teria feito se gastasse o dinheiro em prazeres, viagens e festas… em lugar de privar-me de tudo…até de férias, na esperança de futuro melhor! …
Será que compensa aforrar para a velhice? Julgo que não. Infelizmente não conheço outro meio, para ter fim de vida menos infeliz. *) “ Memórias do Cárcere ”
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