por João Silvino / http://www.abocadopovo.com.br
O mar morto é uma manifestação de lágrimas mentirosas, derramadas, que chora a morte de alguém que nada deixou. Extinto é o que já se foi.
Afinal, morto é morto e não se discute; não reivindica salário, pode ser enganado, pisoteado, pode ser motivo de chacota, jogado contra a parede. Nada poderá não fazer, poderá não dizer que não é mais nada.
Morto é morto; não paga dívida, pode vir quem quiser, não pode responder processos, não pode dizer sobre a morte, pode ser tratado como peça de museu, vendido para estudo da ciência, roubado no tráfico de ossos e nada deverá não pensar, deverá não reclamar, deverá não falar o que a voz não emite.
Morto é morto; não engana os amigos, não mata os inimigos, não fere sentimentos, não tem cargo público, não denuncia roubalheira, não defende ou julga, não tem amor próprio, não reconhece paternidade, desconhece os filhos e não vai ao psiquiatra, não pode ser julgado para responder.
Morto é morto; é arquivo que não se pesquisa mais, letra que mais nada se escreve ou traduz, língua que não se fala mais por não ter intérprete, peso morto que ninguém mais carrega. É ponto morto, como a marcha do carro que fica parado. É zona morta, parte de uma vida que se foi e se vai, entra e sai das estatísticas.
Morto é morto; não diz a verdade que possa lhe desempregar, não cobrará mais direito, não receberá mais dinheiro. Morto não trai amizades, atrai outras almas, contrai movimentos, recolhido em si próprio, inanimado como um nada.
Morto é morto; não tem riqueza, não maltrata a pobreza, não mora em mansões, não invade áreas, mas ganha um punhado de terra, vira mórbido latifundiário. Afinal, morto é morto porque Deus não gosta de rotina. E quando coberto com flores, deitado num quarto horizontal, deixa de existir para sempre.
Morto é morto; só a terra cobre, tanto faz muito rico ou muito pobre. Morto é morto, ponto final e não se discute. Seja vivo enquanto puder, enquanto Deus ainda lhe dá esse direito.
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