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domingo, 10 de maio de 2015

Parte do país se sente enganada, diz Marina Silva

A ex-candidata a presidente Marina Silva disse em entrevista ao Blog que o governo está impondo remédio amargo à sociedade, mas não pensa em reduzir o número de ministérios nem de cargos comissionados. Na visão dela, o governo não aumentou a dose do medicamento, mas sim “trocou o frasco do remédio”, ao tomar medidas de ajuste fiscal após dizer que elas não eram necessárias. E o fez, segundo ela, sem qualquer autocrítica. Por isso, afirmou a ex-senadora, a sociedade se sente ludibriada e indignada. Para ela, essa é a explicação dos panelaços e protestos que assombram a presidente Dilma Rousseff e o PT. Ao falar ao Blog sobre a conjuntura política, Marina se disse preocupada com a gravidade da crise econômica e política. Ela defende uma reforma política, mas alerta que não é preciso mudar leis para saber que “não se pode mentir nem caluniar” numa eleição. G1

Blog – Como a senhora viu os repetidos panelaços e as manifestações contra o governo?
Marina Silva – A sociedade quer mudanças. O professor Eduardo Viola [cientista político] diz que 20% da população do planeta tem uma propensão reformadora. É um fenômeno mundial e no Brasil não é diferente. Após a reconquista da democracia, da estabilidade econômica e com o início de um processo de inclusão social, vivemos a sensação de que estávamos começando a entrar nos trilhos. Houve até uma certa acomodação dos movimentos que pressionavam na busca por essas mudanças, como sindicatos, ONGs e partidos progressistas. Mas permaneceu, ao menos, uma tensão latente desses 20% que anseiam por reformas e foi isso que veio à tona em 2013, quando milhões de pessoas se mobilizaram. Uma faísca inicial, mínima, com a questão das tarifas de ônibus e do passe livre, logo se transformou numa grande demanda por melhoria do país. Aquele movimento arrefeceu, pela violência da polícia, como diz o Luiz Eduardo Soares, e do impacto causado pelos black blocks. Restou a esperança de fazer a mudança aproveitando as eleições. Mas veio então a violência do marketing selvagem, das estruturas e do poder econômico, da mentira e da calúnia, do rompimento de qualquer limite ético para ganhar uma eleição. E essa busca de mudança foi, mais uma vez, obrigada a refluir. As manifestações que têm ocorrido agora são uma retomada das mobilizações anteriores, mas com um sentimento de revolta especialmente dirigido contra o governo. Por um motivo simples: o que ele está fazendo não é o que foi prometido na campanha. Há uma parte da sociedade indignada, porque sabia que o país já estava em crise e viu a realidade ser falseada pela candidatura da situação. Mas há outra parcela que está se sentindo ludibriada, os que votaram em quem venceu agora veem que foram enganados. Essa indignação reativa um movimento que é muito mais amplo do que uma simples oposição ao governo. Vem de um desejo de mudança horizontalmente disseminado na sociedade, e não dirigido pelos partidos, sindicatos, ou lideranças carismáticas. É uma força que precisa ser considerada e entendida para se dar a resposta certa. 

Blog – A senhora acredita que esse “ludibriar” da campanha é o que fortaleceu a ideia do impeachment?
Marina Silva – Sim, sem dúvida, o sentimento de ter sido enganado faz até com que pessoas que apoiam o governo já não o façam com a mesma convicção. Mas há outros aspectos a serem considerados. Este é um governo que está sucedendo a si mesmo. Já são 12 anos com o PT. Há um visível fastio da repetição do discurso, da repetição do modus operandi, de justificativas que já não justificam e explicações que já não explicam. E, principalmente, há a reincidência escandalosa da corrupção. Quando as pessoas defendem impeachment, estão propondo uma saída constitucional, elas querem manter a legalidade. Obviamente, para que ocorra um impeachment é preciso ter provas de envolvimento direto do presidente da República. Se não for dentro da legalidade, o efeito pode ser aprofundar o caos.

Blog – Como a senhora vê, depois de todo aquele discurso da campanha contrária a algumas medidas, o ajuste fiscal?
Marina Silva – Talvez a mudança de discurso sofresse rejeição menor se houvesse, por parte do governo, um mínimo de autocrítica, um reconhecimento de que cometeu erros. E um diálogo aberto, inclusive com a oposição, sobre como as medidas imediatas se inserem numa agenda estratégica. Porque é preciso fazer ajustes, como o fiscal, sem perder a noção das necessidades sociais. É preciso retomar o investimento e manter as conquistas sociais, essa é uma equação que tem que fechar. Para isso, o governo precisa dar o exemplo. Por que se apela para que a sociedade faça sacrifícios e o governo não faz sacrifício nenhum, continua com 39 ministérios e milhares de cargos comissionados? E ainda apoiou o escandaloso aumento do fundo partidário. O governo disse que estava fazendo tudo certo, culpou agentes externos pela crise e agora transfere a conta para o cidadão. A estratégia da presidente Dilma é muito diferente da que foi usada pelo ex-presidente Lula. Para ganhar a eleição, em 2002, Lula assumiu claramente o compromisso de manter a política macroeconômica do governo tucano. Contou com a ajuda de Fernando Henrique para fazer a transição. O ministro [Antonio] Palocci teve apoio de pessoas que ajudaram no Plano Real, como Marcos Lisboa, Murilo Portugal, Bernardo Appy e o próprio Joaquim Levy. Foi assumido um compromisso público. Já a presidente Dilma negou veementemente a necessidade de qualquer ajuste, negou até que houvesse algum problema. Não revelou o receituário para enfrentar a crise, nem sequer exibiu o prontuário do paciente. Depois, mal havia tomado as primeiras medidas, já disse que talvez tivesse errado na dose. Ela não errou na dose – trocou o frasco do remédio. Dizia que o paciente estava com dor de cabeça e precisava de analgésico e agora quer convencer o paciente a tomar morfina. Se tivesse revelado à sociedade a natureza e a gravidade do problema, talvez nem precisasse da dose que está sendo dada agora. A falta de credibilidade faz com que as medidas sejam mais duras, mais dramáticas.

Blog – A situação econômica é difícil, há uma crise política. As coisas estão interligadas. Conhecendo a política brasileira como conhece, a senhora não vê esse desgaste político um pouco fora do tom normal?
Marina Silva – Desde 2010 eu venho dizendo que a maior ameaça às conquistas – aí incluindo o próprio aprofundamento da democracia, além da estabilidade econômica e a inclusão social– era o atraso na política. Hoje nós temos a demonstração disso. Há um completo descrédito dos partidos, um desgaste profundo do governo já no início do mandato, uma falta de perspectiva e de melhoras no futuro. A maioria dos partidos políticos já não discute ideias e propostas, são apenas máquinas para ganhar tempo de televisão, dinheiro e estrutura para dar sustentação aos projetos de poder apropriando-se do estado. Predomina a mentalidade de fulanizar as conquistas, ao invés de institucionalizá-las, como se o Plano Real pertencesse ao PSDB e ao Fernando Henrique e os programas sociais pertencessem ao PT e ao Lula, como se não fossem conquistas da sociedade brasileira. Esse patrimonialismo que nega as conquistas da sociedade e se apropria do aparelho do Estado é o principal atraso da política. Se eu tenho um projeto maravilhoso para a sociedade, mas que só funciona comigo no governo, alguma coisa está errada.

Blog – Qual a relação desse desgaste com a campanha petista durante a ultima eleição?
Marina Silva – O modo como se ganha é o modo como se governa. E está provado que é possível ganhar perdendo. O problema é que o país é quem perde mais, pois é lançado no meio de uma crise de valores, num retrocesso que só parece se aprofundar. Precisamos de uma reforma política de verdade, que ajude a melhorar a qualidade das instituições políticas, criando mecanismos que elevem a qualidade da representação e mantenham um ambiente democrático na disputa eleitoral. Agora, tem um aspecto que não depende de reforma política. Eu não preciso de nenhuma lei para saber que não devo mentir, caluniar e atacar meus adversários de forma desleal. Isso não é apenas uma ética pessoal, é parte essencial do contrato social. A reforma política é importante para decidir, por exemplo, como acabar com o abuso do poder econômico no financiamento das campanhas. Mas algumas propostas visam apenas fortalecer as atuais oligarquias partidárias, concentrando nelas as prerrogativas da decisão. Isso é uma contradição, num momento em que a sociedade não se identifica com os partidos, há projetos que querem dar mais poder aos partidos. Eu defendo que as campanhas recebam financiamento público e financiamento de pessoas físicas com teto para doações, com a possibilidade de haver candidaturas independentes. E quando eu digo independentes não é simplesmente um candidato de si mesmo. É uma candidatura que apresente um programa, com uma lista de pessoas endossando esse projeto. Por que tem que haver a chancela de um partido? Seria bom criar uma concorrência idônea aos próprios partidos, quem sabe assim eles melhorem. Não é para ser contra os partidos, é para que, tendo a possibilidade de buscar na sociedade novos quadros, os partidos não fiquem tão acomodados por terem o da política institucional para defender seus próprios interesses, para que eles precisem competir com aqueles que vem diretamente pelas mãos da sociedade.

Blog – Uma candidatura independente sobreviveria a uma campanha hostil como foi a de 2014?
Marina Silva – É preciso ter regras que assegurem uma ambiência favorável, um acesso democrático aos meios, por exemplo o tempo de televisão, para que haja expressão das propostas. Em alguns países isso é possível. Aqui são criadas camisas de força para impedir a expressão da sociedade. É doloroso lembrar que no fim da ditadura foram criadas as condições para surgir o PT e hoje, na democracia, não conseguimos registrar a Rede Sustentabilidade. Há todo tipo de manobra, desde uma ação nos cartórios para anular as nossas fichas até tentativas de mudar a lei, como agora, para quem é filiado de um partido não poder endossar a criação de outro partido e a triplicação do número de assinaturas necessárias para a criação. Medidas dificultam o ingresso de parlamentares, negam tempo de propaganda e fundo partidário, uma incessante maquinação de detalhes para dificultar a renovação do processo político.

Blog – Como está a Rede?
Marina Silva – Nós estamos agora com cerca de 80 mil assinaturas nos cartórios aguardando as certificações, para juntar às que já foram colhidas em 2013 e vamos encaminhar o registro da Rede. Estamos sofrendo as consequências das mudanças que foram feitas de encomenda contra nós após a criação do PROS e do Solidariedade. Agora, mais uma vez, vamos depender da demora dos cartórios para apresentar novamente as fichas e reabrir o processo do nosso registro.

Blog – Qual o futuro para Marina agora?
Marina – Eu costumo dizer a mesma coisa que eu disse em 2010: não vou ficar na cadeira cativa de candidata. E se eu tivesse apegada à ideia de ser candidata, não teria enxergado o Eduardo Campos como alternativa em 2013, quando foi negado o registro da Rede. Teria ido para um dos partidos que, generosamente, como o PPS, estavam me acolhendo para uma filiação temporária e me possibilitariam ser candidata. Apoiar o Eduardo Campos, para mim, era muito mais do que compartilhar um palanque, era compartilhar um legado, e isso é parte do realinhamento político que eu vinha propondo, para estabelecer uma governabilidade com base em um programa, para criar um novo relacionamento entre os partidos que deveriam ter renovado a República e se deixarem estagnar em alianças com a Velha República. Agora eu vou fazer a mesma coisa: continuar contribuindo sem ter necessariamente que ficar na condição de candidata. Meu desejo é debater alternativas para esse momento de extrema dificuldade que o pais está atravessando. Quanto ao futuro, como posso oferecer a melhor contribuição? É mesmo na política institucional, participando de eleições? É nos movimentos da sociedade? Obviamente, ainda não tenho essa resposta, nem preciso ter. Há tempo para tudo sobre a Terra. (G1)

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