A discrepância entre a narrativa de dois policiais militares e as filmagens das suas respectivas câmeras corporais motivou a juíza Carla Milhomens Lopes de Figueiredo Gonçalves De Bonis, da 3ª Vara Criminal de Santos (SP), a absolver, sob o fundamento de insuficiência de provas, um homem acusado de tráfico de drogas. Por Eduardo Velozo Fuccia / Jornalista.
“Remanesce dúvida a respeito da autoria, notadamente porque a versão apresentada pelos policiais militares não corresponde às imagens registradas pelas câmeras acopladas às suas fardas, não havendo, portanto, prova inequívoca de que o acusado incorreu na conduta que lhe foi imputada na inicial”, destacou a magistrada.
Com base no auto de prisão em flagrante, o Ministério Público (MP) descreveu na denúncia que, no dia 25 de outubro de 2023, os policiais militares faziam operação no Morro do José Menino para reprimir o tráfico de drogas. Ao vê-los, o réu fugiu correndo com uma mochila nas costas, sendo abordado em frente a uma casa abandonada.
Segundo os PMs, na mochila havia 166 porções de crack, 119 de maconha, 726 de cocaína, dez tubos de lança-perfume, R$537,00, dois rádios de comunicação e um celular.
O acusado preferiu ficar calado na delegacia e, em juízo, negou a posse da mochila. Admitiu portar apenas R$ 1 mil, pois iria realizar compras com a família em um supermercado.
Após a instrução, nem a promotora Sheila Xavier Mendes se convenceu com a versão dos agentes públicos.
Em suas alegações finais, ela requereu a absolvição do réu, anotando não compreender o porquê de inexistir entre as filmagens uma cena sequer que exiba o réu com a mochila nas costas e o encontro das drogas em seu interior.
“Advindo dúvida razoável acerca da prova da autoria da infração, como no caso vertente, a absolvição do acusado é medida que se impõe”, justificou a representante do MP. Na sentença que absolveu o réu, a magistrada também acolheu pedido da promotora no sentido de remeter os autos à Justiça Militar, “para adoção das providências cabíveis”.
Além de evidenciar a importância das câmeras corporais na produção de provas, tanto para ratificar a versão de PMs quanto para afastá-la ou colocá-la em xeque, a sentença, indiretamente, reforça solicitação do presidente do Supremo Tribunal Federal para que o governo de São Paulo preste informações sobre esses equipamentos.
Conforme noticiou a ConJur, o ministro Luís Roberto Barroso quer que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) esclareça pontos sobre a compra de novo lote de câmeras corporais para a PM paulista.
Na semana passada, o chefe do Executivo divulgou em entrevista coletiva o lançamento do edital para a aquisição dos equipamentos.
Segundo o edital, os novos equipamentos podem ser desligados. O governador afirmou que as gravações ininterruptas não são eficazes.
Para especialistas, se o acionamento das câmeras estiver a cargo dos policiais em ação ou de terceiros, remotamente, o controle do uso da força aplicada pelos agentes ficará comprometido.
Entre os pontos que Barroso quer que sejam esclarecidos por Tarcísio está a necessidade de que as gravações realizadas pelas câmeras sejam ininterruptas, com a guarda integral das imagens, independentemente do acionamento pelo policial ou gestor. O ministro também pediu informação sobre a redução do prazo de armazenamento das filmagens.
Processo 1504202-84.2023.8.26.0536
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