por Cláudia Cardozo / BN
Foto: Depositphotos
Uma empresa de engenharia baiana terá que indenizar em R$ 50 mil dois eletricistas acusados de roubar materiais de iluminação. O caso aconteceu em janeiro de 2013. A primeira sentença foi julgada em outubro de 2018, com recurso analisado pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), em julho deste ano. O relator do recurso foi o desembargador Sérgio Cafezeiro.
Segundo a ação, um dos eletricistas trabalhava para a Sipel, uma terceirizada da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) como eletricista. O outro trabalhava para a empresa de engenharia ré no processo, a Dínamo Engenharia, também prestadora de serviços à Coelba. Na ocasião dos fatos, estava programada a entrega de materiais para a Sipel Construções. Ao chegar ao destino, o motorista do caminhão da transportadora encontrou o depósito da empresa fechado, sem qualquer funcionário para receber a mercadoria. A responsável pelo depósito não estava em Feira de Santana e era a única pessoa que possuía a chave do almoxarifado. O motorista do veículo não poderia aguardar o retorno da funcionária, pois o caminhão estava com defeito mecânico. A funcionária sugeriu então que um dos eletricistas da Sipel, por ser pessoa de confiança dela, guardasse o material em sua residência até seu retorno. Como em sua residência não havia espaço, o eletricista indicou a casa de seu cunhado, que era eletricista da Dínamo, para guardar os materiais em caráter temporário, por ser um local amplo e seguro, além de ser um local mais próximo da Sipel. A funcionária responsável pelo almoxarifado consentiu com a proposta por ser um local próximo da empresa, de modo que o caminhão defeituoso conseguiria se deslocar com tranquilidade.
Posteriormente à entrega da mercadoria, chegou ao conhecimento do gerente da Dínamo que os materiais foram depositados na casa do segundo eletricista. O gerente suspeitou que o material havia sido adquirido ilicitamente pelo eletricista, e por isso foi até a residência dele com mais cinco funcionários para apreender o material. O ato foi realizado sem qualquer apuração de estoque de mercadorias e nem investigação sobre a origem e destino dos materiais. De acordo com o processo, a invasão da casa do eletricista para retirada do material ocorreu de maneira vexatória, fechando a rua com cones, impedindo a entrada e saída de qualquer pessoa no local. O ato foi registrado em fotografias e teria causado um grande tumulto no bairro. Os relatos apontam que o gerente e os prepostos da empresa chamaram os eletricistas de “ladrões” para toda a vizinhança.
O representante da Dínamo ainda comunicou a Coelba de um “furto” e a possibilidade das empresas terceirizadas terem participado do ato. A funcionária da Sipel, ao tomar conhecimento do ocorrido, entrou em contato com a empresa para explicar a situação e solucionar o equívoco e reaver a posse dos materiais. Entretanto, de acordo com a ação, a empresa ré se recusou a devolver as mercadorias, mesmo após a comprovação de que os materiais eram da Sipel, e o gerente da Dínamo manteve os materiais por um mês em sua posse. Por conta disso, a funcionária da Sipel prestou uma queixa contra o gerente da Dínamo, informando o ocorrido. Após intimação da delegacia, o gerente da empresa concordou em devolver a mercadoria. Apesar da situação ter sido resolvida, os autores apontam que agiram de boa-fé em todo o tempo, e mesmo assim sofreram com as consequências do ocorrido, por terem sido chamados de ladrões, e viraram motivos de piada e zombaria no ambiente de trabalho e na vizinhança. Um dos eletricistas inclusive foi demitido e permaneceu desempregado por muito tempo.
Em sua defesa, a Dínamo alegou que o gerente compareceu à residência do eletricista para buscar as notas fiscais, pois na época ele ainda era colaborador da empresa e não havia comparecido ao trabalho por motivos de saúde. Quando o gerente visualizou através do portão as bobinas e cabos na residência, comunicou o fato à empresa. Alegou que o eletricista ao ser questionado sobre o material, não soube informar a origem e que seu cunhado teria deixado em sua residência. Quando o cunhado chegou no local, não informou a origem do produto. Por isso, se apoderou dos materiais, que foram retirados por guindastes por pesar algumas toneladas. Afirmam que a funcionária do almoxarifado da Sipel compareceu na sede da empresa no dia seguinte requerendo a liberação do material e que meses depois foi notificada com uma intimação policial para devolver a mercadoria. O material foi devolvido após verificar que, de fato, não pertenciam às obras administradas pela empresa. A empresa ainda contestou a existência de dano moral por não haver conexão entre os fatos.
Para o juiz Antônio Gomes de Oliveira Neto, da 5ª Vara Cível de Feira de Santana, as provas atestam que os “autores foram vítimas de suspeita infundada de furto, e foram submetidos, sem provas cabíveis, a constrangimentos e profunda vergonha e humilhação, ofendendo sua honra individual subjetiva, e colocando sob grave suspeita sua honra objetiva”. “No caso dos autos, verifica-se que os autores, além de abalo psíquico e moral, que configurou ofensa a sua honra subjetiva, também sofreram abalo em sua honra objetiva, posto que sua reputação foi seriamente atacada e comprometida pelo suspeição de fato criminoso, causando, evidentemente, verdadeira mácula à sua honra”, escreveu o juiz na sentença. Devido à extensão dos danos, o magistrado fixou a indenização em R$ 50 mil, sendo R$ 25 mil para cada uma das vítimas.
A empresa recorreu da decisão para reduzir o valor da indenização para R$ 5 mil, alegando que agiu “de forma cordial”, que em nenhum momento tratou os eletricistas de forma vexatória, e que a conduta dos funcionários não foi exagerada “a ponto de causar constrangimento quando da retirada do material da residência”. Sustenta nunca ter imputado qualquer crime aos autores da ação, “não desconfiando da conduta, pois se assim fosse teria feito registro de boletim policial”. Ainda alegou que foram os eletricistas que deram causa à situação narrada por não informarem que o material era da Sipel.
Para o relator, desembargador Sérgio Cafezeiro, “a prova produzida foi contundente para se chegar à conclusão que a empresa ré não procedeu com os devidos cuidados”, por terem os seus prepostos invadido a residência do eletricista e retirarem mercadoria dita como roubada, “sem ter o mínimo de cuidado em averiguar qual a real procedência da mercadoria e se realmente lhe pertencia”. O relator afirma que o ato “espalhou-se no seio da sociedade e maculou o nome dos autores, trazendo desgaste psicológico ao serem vistos e tratados como se marginais fossem”. O desembargador assevera que a empresa poderia ter averiguado se em seu estoque de mercadoria existia a falta das tais “bobinas”, mas simplesmente, optou por dirigir-se a uma residência e adentrar sem autorização e apreender mercadorias, das quais não era o proprietário. “Tal conduta não pode ser aceita, devendo o réu arcar com o ressarcimento dos prejuízos de ordem moral provocados aos autores”. Desta forma, o desembargador e o colegiado mantiveram a decisão de condenar a empresa a indenizar as vítimas em R$ 50 mil.
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