A TV Globo se manifestou oficialmente sobre a devassa que ela própria e ao menos 30 de seus artistas estão sofrendo da Receita Federal desde o início do ano. Ao menos 30 foram autuados por fiscais da Receita, que exigiram cópias dos contratos dos empregados como Pessoas Jurídicas (PJs).
Os artistas tiveram apenas 20 dias para explicar porque são contratados dessa forma, e não pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Vários constituíram advogados para a defesa.
A emissora também precisará se explicar. A notícia foi publicada com exclusividade pela coluna "Radar", da revista "Veja", no último fim de semana. "Todas as contratações estão dentro da lei", respondeu ontem a Globo em nota enviada a esta coluna.
A emissora diz que a fiscalização pode não ser ilegal, mas que também tem direito de discordar e recorrer. Em nota à coluna a Receita disse que sua fiscalização obedece a critérios impessoais, e que está investigando outras "empresas de comunicação". Reynaldo Giannechini e Debora Secco estão entre os devassados.
Para o advogado dos artistas, Leonardo Antonelli, trata-se de retaliação política. Sob anonimato, fontes ouvidas pela coluna ontem no SBT, RedeTV, Record e Band disseram que nenhuma dessas emissoras tem sido alvo desse tipo de fiscalização da Receita ou mesmo da Justiça do Trabalho nos últimos meses.
As autuações começaram a chegar desde o final do ano passado, já no governo Bolsonaro. A perseguição à emissora carioca pode ser inconstitucional, pois um governo não pode usar instrumentos do Estado para perseguir desafetos políticos. Acontece que praticamente 100% dos artistas do país, de novelas ou não —e não só na Globo— são contratados como PJ (pessoas jurídicas) há décadas. "Desde os oito anos já fiz filmes, peças de teatro, novelas, publicidade e para fazer tudo isso não há outra maneira que não como pessoa jurídica", disse Deborah Secco à "Veja". A coluna está tentando ouvir outros artistas. Se tiver sucesso seus depoimentos serão incluídos neste texto. Todo o elenco das novelas da Record é contratado temporariamente sob regime de pessoa jurídica —se não com a emissora, então com a produtora Casablanca. O mesmo vale para todo o elenco de "As Aventuras de Poliana", do SBT. Isso sem falar em artistas como Celso Portiolli e Ratinho (SBT); Xuxa, Ana Hickmann e Geraldo Luís (Record); José Luiz Datena e Ana Paula Padrão (Band), entre outros: todos são PJs. A atitude dos fiscais da Receita fica sob suspeita porque o próprio governo, desde Michel Temer, vem incentivando a "pejotização", como forma de combater o desemprego. A Globo está dando todo apoio jurídico a seu elenco, e fornecendo todas as documentações solicitadas com velocidade. Veja a nota enviada pela Globo sobre o caso: "Todas as formas de contratação praticadas pela Globo estão dentro da lei. Assim como qualquer empresa, a Globo é passível de fiscalização, tendo garantido por lei também o direito de questionar, em sua defesa, possíveis cobranças indevidas. Central Globo de Comunicação". A diferença entre contratados pelo regime de CLT e PJ na verdade altera todo o vínculo de um artista (ou, em muitos casos, jornalista) com a empresa contratante. Como PJ o artista tem direito assegurado de fazer publicidade ou trabalhos em outras empresas (como teatros e produtoras de cinema); na Globo quase todos também podem dar palestras ou apresentar eventos. Já como CLT, para que ele tenha direito a isso é necessária uma cláusula de liberação. O contratado por PJ paga em média 15% de Imposto de Renda, contra 27,5%, também em média, do contratado por CLT. Em contrapartida o PJ ele não tem direitos como FGTS, 30% sobre as férias, 13º salário e outros benefícios (plano de saúde etc). O INSS, por exemplo, ele deve pagar diretamente à Previdência. Em todos os demais setores, que não a dramaturgia, a Globo vem renegociando contratos e exigindo que todos sejam CLT. Curiosamente, anos atrás a emissora estava no sentido oposto: ela "pejotizou" não só artistas, mas área técnica, cenógrafos, maquiadores, produtores e estilistas. À época houve um princípio de mobilização de funcionários contra a perda dos direitos. Hoje, também no sentido oposto, alguns funcionários estão descontentes com o retorno ao contrato CLT, pois acreditam que, com registro, seus rendimentos irão cair. No final da manhã desta quarta (22) a Receita Federal, por meio de sua assessoria de imprensa, a Receita Federal enviou a seguinte nota: "Em relação às recentes matérias veiculadas na imprensa sobre a atuação da Receita Federal na fiscalização de pessoas jurídicas prestadoras de serviços para empresas de comunicação, fazem-se necessários os seguintes esclarecimentos: "1. A Receita Federal realiza procedimentos fiscais para verificar a regularidade e adequação do instituto da "pejotização", em inúmeros setores econômicos, desde a vigência das disposições contidas no art. 129 da Lei nº 11.196, de 2005; 2. Todas as fiscalizações em diversas empresas de comunicação (grifo da Receita), referentes à "pejotização" de pessoas físicas, são decorrentes de procedimentos fiscais planejados e iniciados nos anos de 2017 e 2018, resultando em lançamentos tributários a partir de 2019; 3. Considerando a totalidade dos setores econômicos, a área de Fiscalização da Receita Federal realizou entre 2017 e 2019, um total de 343 lançamentos tributários, decorrentes do 'desenquadramento' da tributação como Pessoa Jurídica. 4. A Receita Federal se pauta por critérios técnicos e impessoais, completamente vinculados à legislação tributária. Em razão do sigilo fiscal, imposto pelo Código Tributário 2. Todas as fiscalizações em diversas empresas de comunicação (grifo da Receita), referentes à "pejotização" de pessoas físicas, são decorrentes de procedimentos fiscais planejados e iniciados nos anos de 2017 e 2018, resultando em lançamentos tributários a partir de 2019; 3. Considerando a totalidade dos setores econômicos, a área de Fiscalização da Receita Federal realizou entre 2017 e 2019, um total de 343 lançamentos tributários, decorrentes do 'desenquadramento' da tributação como Pessoa Jurídica. 4. A Receita Federal se pauta por critérios técnicos e impessoais, completamente vinculados à legislação tributária. Em razão do sigilo fiscal, imposto pelo Código Tributário Nacional. (Ricardo Feltrin)
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