por Fernando Duarte*Foto: Reprodução/ Jornal Albenese
“Eu não consegui assistir à novela ‘Os dias eram assim’. Lembrava da época da ditatura e começava a chorar”. O relato foi de uma mulher de cerca de 60 anos, numa conversa informal há cerca de duas semanas. A novela, encerrada na última segunda-feira pela Rede Globo, mostrava um Brasil que muitas pessoas fingem desconhecer: um país cujo Estado expropriou direitos individuais sob a justificativa de um patriotismo cego. A vítima da ditadura militar marejou os olhos ao falar das vezes em que, grávida pela primeira vez, foi obrigada a sair de quartel em quartel, de delegacia em delegacia, buscando informações sobre o pai do seu filho. Ele era, nas palavras dela, subversivo. Ao usar o termo, ela confirma o que as lágrimas já diziam: as feridas abertas pelo Estado opressor ainda doíam. Subversivo era como esse Estado tratava o marido dela. No mesmo dia em que a novela chegou ao fim, a imprensa noticiou que um general – cujo nome será omitido para evitar que a publicidade dele o mantenha empenhado – defendeu, publicamente, a possibilidade de o Exército fazer uma intervenção militar para conter os excessos brasileiros. A fala aconteceu em um ambiente que supostamente deveria defender as liberdades individuais, a maçonaria, cuja tradição sugere ter sido berço dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Se a repreensão não veio nem por meio de crítica no local onde a blasfêmia foi proferida, não era de se esperar que acontecesse no próprio Exército. Em entrevistas e em pronunciamentos, a força militar apenas apontou que a “intervenção” não estava em discussão no seio dos grupamentos. Infelizmente, a fala do general não é uma voz isolada. Desde que o caso encontrou eco nas redes sociais, foram inúmeras defesas cegas do retorno da ditadura militar, que sequer é tratada como “ditadura” pelos entusiastas. Nesse universo, uma onda de seguidores do deputado Jair Bolsonaro, expoente-mor da direita conservadora, engrossou o pescoço para brandir, mais uma vez, o retorno dos militares ao poder. O resultado real é assustador, pois Bolsonaro apareceu em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para a presidência da República em 2018. Para essas pessoas, a mulher que chorou ao lembrar do tempo em que o marido era “subversivo” vive num mundo diferente do deles. A dor dela não é sentida. Os dias não deveriam ser assim. Tempos sombrios não ficaram no passado. Ameaçam o futuro. BN
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