Por
Humberto Pinho da Silva
Nos anos sessenta, havia na rua
do Bonjardim, na cidade do Porto, dois irmãos, muito unidos, ambos fotógrafos e
transmontanos de gema.
Cada cliente era um amigo.
Recebiam-no nas traseiras, em salinha, onde montaram o atelier. As mulheres da
casa, nas tardes frias de Inverno, ficavam à roda da braseira, cavaqueando e
fazendo trabalhinhos caseiros.
Era gente simples, mas boa.
Certa ocasião, ao conversar com
um deles, depois de lhe ter entregue o rolo fotográfico, confidenciou-me que o
irmão era um grande artista: - “ Toca tão bem como um cego!”
Achei graça à expressão. Ser
invisual, não é indicativo de talento, mas compreendi o elogio.
Ao passar, por certas ruas,
deparo-me, por vezes, com insignes músicos, de óculos pretos e bengala branca,
pedindo a esmola, que lhes permita sustento e decência.
Fico, então, a pensar:
Não seria difícil, nem
dispendioso, se fossem contratados para animar bares e restaurantes.
Não, que considere, como o bom fotógrafo,
que ser cego é sinónimo de bom interprete; mas há invisuais, a mendigar pela
via pública, que tocam magistralmente.
Já não basta estarem privados
de verem a luz, a família, e a casa onde vivem, para terem que acrescentarem,
ao infortúnio, o sustento incerto.
Alguns, com poucas lições,
poderiam tornar-se compositores de mérito ou integrar-se em orquestras e até
formarem conjuntos de sucesso.
Falo dos invisuais, que tocam
na rua: mas quantos, que permanecem no anonimato das suas residências, poderiam
tornar-se magníficos interpretes?
Muitos aguardam a oportunidade,
que na maioria das vezes nunca chega, se não há quem os lance e lhes abra
portas.
Não basta ter valor, é mister
que haja quem dê a mão amiga e apresente a pessoas e instituições certas.
Quantos artistas, de enorme talento,
passam a vida na obscuridade, desconhecidos, e até ridicularizados, pela
família e amigos, porque não encontram oportunidades de brilharem e mostrarem
valor?
O talento é nato, mas
atrofia-se se não encontra quem o desenvolva ou meio que permita voar.
Como pode, quem tem que pedir
esmola, ou trabalhar debaixo do aguilhão de patrão ignorante, desenvolver o
génio?
Assim como a planta não medra,
senão tiver: boa terra, bom adubo e água abundante, também o talento se enfeza,
em contacto com boçais e iletrados.
“ Querer é poder!”, mas só é
poder, se houver – para os que não nasçam em famílias evoluídas, – o mecenas
amigo, que descubra e acicate o talento.
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