Não basta assinar acordo, é preciso cumpri-los. O diagnóstico feito pelo diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, pode parecer óbvio. Mas não é. Como na área ambiental não existem sanções como as que vigoram no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), os países não são punidos por não cumprirem o que assinam. Aos 51 anos, o alemão, que vive hoje em Nairóbi, mas nasceu, acidentalmente, no Brasil, na cidade de Carazinho, no Rio Grande do Sul, defende resultados concretos na Rio 20, como a aprovação de uma nova forma de medir crescimento. E diz que o processo preparatório da conferência está “muito lento”.
O GLOBO: A Rio 20 surgiu de uma ideia do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua sugestão era de que a conferência fosse convocada para fazer um balanço das mudanças das últimas duas décadas, pósRio-92. Mas a proposta evoluiu para uma conferência onde vai se discutir a transição para uma economia de baixo carbono. Qual é sua expectativa em relação à Rio 20?
ACHIM STEINER: Discordo que a ideia do presidente Lula não tenha sido contemplada. Um dos objetivos é analisar o que ocorreu nos últimos 20 anos, mas também identificar as lacunas e as questões emergentes. Ou seja, a conferência é para rever também o passado. Mas não se pode convocar uma reunião desse porte apenas para olhar para trás. É necessário que se olhe também para o futuro.
A Rio 20 vai rever o passado para projetar o futuro. É isso?
STEINER: Essa é a razão de monitorarmos o progresso, para aprendermos as lições e nos perguntarmos como podemos melhorar, caso não tenhamos alcançado os objetivos. Foi nesse sentido que os Estados-membros da ONU aceitaram o convite do Brasil para a conferência. Ficou decidido que a Rio 20 vai rever o passado e discutir uma transição para uma economia verde, que inclua a erradicação da pobreza, além de definir um novo quadro institucional. A escolha desses temas demonstra um reconhecimento da ONU de que precisamos discutir o modelo econômico, que está conduzindo para um desenvolvimento insustentável e aprofundando a desigualdade social, como repensar as instituições internacionais, que precisam ser mais funcionais.
O que de fato pode se esperar de resultado dessa conferência?
STEINER: Ainda é prematuro antecipar o que sairá da Rio 20. Podemos esperar, pelo menos, um documento político. A minha esperança é que, no documento final, haja um apelo específico à economia verde, incluindo as energias limpas. Até porque o próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, já manifestou seu interesse de que o mundo consiga dobrar a parcela de energia renovável nos próximos anos. Espero que também seja contemplada a discussão sobre quais os instrumentos políticos e de financiamentos disponíveis para viabilizar a transição para uma economia verde. E, por fim, precisamos reformar a governança global do desenvolvimento sustentável. Hoje, essa instituição é apenas uma comissão e muitos países não estão satisfeitos. É preciso fortalecer os programas ambientais da ONU. Essas são algumas decisões que podem sair da Rio 20. Mas você tem razão ao dizer que não sairá da conferência nenhum instrumento legal, como ocorreu na Rio 20.
Mas isso não é um risco perigoso que o mundo estaria correndo, já que os problemas estão se agravando?
STEINER: Já temos muitos acordos assinados. Talvez seja o momento de os países debruçarem-se sobre esses acordos e implementá-los.
Transformar o Pnuma numa agência especializada da ONU é uma proposta que vem ganhando força?
STEINER: A proposta de fortalecer o Pnuma está no centro das discussões da Rio 20 e expressa a vontade de vários governos. Há uma crescente frustração em relação ao nosso sistema multilateral. A proposta já conta com o apoio de 120 a 130 países, entre eles os países da União Europeia e alguns da África.
O Brasil está entre os que não apoiam a ideia.
STEINER: Não tenho muita clareza sobre qual é exatamente a posição do Brasil. Mas espero que o país venha a apoiar o fortalecimento da governança ambiental, até porque essa vem sendo a política do governo brasileiro nos últimos anos. O Brasil não tem uma posição clara no momento, o que é compreensível por ser o país-sede. Mas por ser o anfitrião da conferência, o Brasil tem a importante responsabilidade de facilitar o consenso. Eu realmente acho que esse momento chegou.
O ‘Draft Zero’ vem sendo criticado por ser muito genérico. O temor de que a conferência resulte num fracasso, levou representantes da sociedade civil mundial a encaminharem uma carta de repúdio aos negociadores. O que o senhor acha sobre esse tipo de mobilização?
STEINER: Eu não recebi a carta, mas li sobre ela. Simpatizo com o sentimento de muitos grupos da sociedade civil que estão preocupados com os resultados da Rio 20. Acho justa a pressão por mais ambição nessa conferência. Quando se organiza uma cúpula e se convida o mundo inteiro, é preciso que haja mais ambição. O processo preparatório está muito devagar, o que está atrasando todo o processo negociador. Desse modo, desconfio que estamos correndo o risco de a Rio 20 ser apenas uma conferência, e não uma boa e verdadeira cúpula, como foi a Rio-92.
O secretário-executivo da ONU Brice Lalonde esteve recentemente no Brasil e disse que é bem provável que venha a ser aprovada na Rio 20 uma nova forma de medir crescimento econômico dos países. O senhor acha possível?
STEINER: Eu acredito que essa seria a forma de a cúpula exercer alguma liderança. Até porque não se cria um indicador de um dia para o outro. Há um reconhecimento mundial, inclusive de economistas renomados e legisladores, que o PIB é um indicador imperfeito. É por isso que cresce a pressão para que o PIB venha a ser complementado por outros indicadores. O PIB, da forma que ele é calculado hoje, é um indicador que ignora os aspectos de bem-estar socioambiental. Acredito que seria um bom resultado para a Rio 20 a construção de um indicador aprimorado para medir desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Quanto a sanções, o senhor acha possível que seja aprovado algo similar ao que ocorre na Organização Mundial do Comércio (OMC)?
STEINER: Não. Até porque a agenda do desenvolvimento sustentável é baseada em objetivos comuns, o que significa que todos os países precisam concordar. Talvez no futuro, venha a ser aprovado algum tipo de regulação mais específica para aqueles países que não cumpram seus compromissos. É muito triste saber que acordos ambientais já assinados, como a Convenção do Clima e o Protocolo de Kioto, não incluíram mecanismos de sanção. Talvez um dia, a comunidade internacional reconheça que nossa sobrevivência coletiva vai depender de um conjunto de políticas e acordos que sejam respeitados. Mas eu não acho que isso possa se alcançar nesse momento por meio de um sistema de tribunais como ocorre no âmbito da OMC.
O senhor virá à Rio 20?
STEINER: Chegarei bem antes, porque o Brasil vai sediar as comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho). Fico até o final da conferência (22 de junho). Da Agência O Globo
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