Nunca houve tantos recursos à disposição da medicina. A revolução científica e tecnológica, iniciada com as primeiras unidades de terapia intensiva no mundo, na década de 1960, resultou em drogas capazes de manter os tecidos oxigenados, cirurgias complexas de revascularização cardíaca, máquinas que substituem a respiração humana e técnicas eficazes de ressuscitação. Se, por um lado, toda essa parafernália salva diariamente milhares de vidas, por outro, impõe à sociedade enfrentar os dilemas da morte. O direito de morrer com dignidade, sem ter o sofrimento postergado por uma mecanização excessiva que não trará a cura, é um tema cada vez mais recorrente entre os profissionais da saúde, do direito, pacientes e seus familiares no Brasil. A falta de uma legislação específica sobre o assunto e uma prática médica ainda calcada no “tentar salvar a qualquer custo” estão levando brasileiros a manifestarem, por meio de documentos públicos lavrados em cartórios, como e quando querem partir.
Apenas no 26º Tabelionato de Notas de São Paulo, um dos maiores cartórios do país, o número de pessoas que registraram o documento, chamado popularmente de testamento vital, cresceu quase 20 vezes — passando de 22, em 2002, para 406, no ano passado. Em 2012, já foram lavradas 90 declarações, com determinações das mais variadas. Desde o tipo de tratamento ou suporte por máquinas a ser rejeitado, no caso de doenças incuráveis em fase terminal, ao local da morte e opção de cremação. No Distrito Federal, ainda não foram identificados registros dessa natureza. Moradora de São João da Boa Vista (SP), Celina Maria Rubo, 70 anos, é uma das adeptas do testamento vital. A preocupação com o fim da vida surgiu quando a mãe adoeceu por causa de uma obstrução no intestino. Na ocasião, os quatro filhos optaram por não autorizar uma cirurgia que deixaria a senhora de 83 anos à época com uma bolsa de colostomia. A remoção do acessório, caso ocorresse, levaria a idosa a perder o controle sobre a evacuação, tendo de usar o banheiro a cada duas horas, em média. Sem a operação, ela viveu com qualidade de vida por três anos. Morreu quando o intestino fechou de vez, em 2008. Por Renata Mariz, do Correio Braziliense
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