FOLHA DE SP - 02/02
O sucesso de uma Copa do Mundo de futebol vai muito além do que se vê. Arenas lotadas e jogos televisionados para o mundo todo representam apenas 10% desse grande espetáculo, que une povos e faz o planeta vibrar em torno de uma paixão.
Para um país, sediar uma Copa é uma oportunidade rara -a última no Brasil ocorreu há mais de 60 anos- de estimular a economia, alavancar o turismo, melhorar a formação das pessoas, expandir e aperfeiçoar a infraestrutura, elevando-a a um novo patamar de acessibilidade.
Analisando esse conjunto de ações, é fácil chegar a uma conclusão: não, o Brasil não aproveitará todo o potencial da Copa.
Seria ingênuo imaginar que uma Copa resolveria todos os problemas de uma nação, mas também não é confortável constatar que o evento poderá aprofundar alguns deles. Assistimos na televisão a um comercial de cerveja que transforma esse sentimento de frustração do brasileiro em pessimismo. Mas não é pessimismo gratuito, é puro realismo de quem vive o dia a dia das grandes cidades. Sim, imaginem, durante a Copa, todos os nossos problemas estruturais agravados pelo fluxo de milhões de pessoas!
O pessimismo do brasileiro é calcado em fatos: a incapacidade dos gestores de planejar atrasou inúmeras obras e, por tabela, encareceu em alguns bilhões o custo do Mundial -R$ 3,5 bilhões, para ser mais preciso-, segundo o último levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU). Para se ter uma ideia do que se poderia fazer com esses bilhões excedentes, vamos fazer uma projeção.
Em 2010, o então presidente Lula anunciou a construção de 141 novas escolas federais de educação profissional ao custo total de R$ 1,1 bilhão. Os R$ 3,5 bilhões acrescidos ao valor total da Copa dariam, portanto, para construir quase 500 novas escolas técnicas no Brasil.
O excesso de gastos, no entanto, não é o pior dos cenários. O tão falado legado social para a população parece ter ficado só no papel. Quase todas as obras de transporte estão atrasadas, a inauguração de algumas, inclusive, já foi remarcada para somente depois do Mundial e outras foram canceladas.
Salvador foi a primeira cidade-sede a cancelar uma obra de mobilidade. A construção de um corredor de ônibus Bus Rapid Transport (BRT) foi riscada da lista de obras para 2014. Em seguida, Brasília cancelou a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Há ainda os problemas de pouca visibilidade, mas grande impacto social, como as remoções involuntárias. O tema foi destaque no jornal "The New York Times", em março passado. O diário informou que 170 mil pessoas devem ser despejadas até a Copa do Mundo e a Olimpíada, para dar lugar a intervenções urbanas para os eventos. O problema é que as indenizações estão bem abaixo do valor de mercado e, quando são oferecidas moradias, as casas ficam a até 60 km de distância do local de origem.
Vale lembrar, ainda, a naturalidade com que os projetos das arenas desrespeitam a lei que exige 4% dos assentos para deficientes físicos e pessoas com mobilidade reduzida. Nos casos em que os projetos preveem reserva de vagas, elas se limitam à margem de 1%, mínimo exigido pela Fifa. Como se as decisões da Fifa fossem mais importantes que a legislação do país.
Depois de ter rodado o mundo inteiro e participado, in loco, de tantos mundiais, posso afirmar, com convicção, que um país só é bom para os turistas se, antes, for bom para o seu próprio povo.
Hoje, não consigo presumir nenhum problema que inviabilize o evento, mas tenho certeza de que os brasileiros ficarão decepcionados ao ver perdida mais uma ótima oportunidade de tornar este país um lugar melhor para se viver.