A violência dos cartéis deixou milhares de mortos este ano na América Latina, particularmente no México, enquanto o consumo não parece diminuir, mostrando o fracasso da estratégia contra o narcotráfico, que alimenta o debate sobre a legalização de algumas drogas.
"Eu não pedi esta guerra", era a mensagem do cartaz levantado por um homem fotografado pela AFP nos arredores de um cassino de Monterrey (noroeste), após o incêndio provocado pelo cartel de Los Zetas que matou 52 pessoas em 25 de agosto na terceira maior cidade mexicana.
A mensagem traduz o desânimo de muitos mexicanos, para quem as imagens de cadáveres desmembrados ou assassinados das formas mais aberrantes tornaram-se parte do cotidiano, com mais de 45.000 mortos, após cinco anos de uma estratégia baseada na mobilização militar contra os cartéis lançada pelo presidente Felipe Calderón.
Na Colômbia, maior produtor mundial de cocaína (350 toneladas em 2010), os cultivos de folha de coca diminuíram, mas os assassinatos aumentam, um fenômeno atribuído em parte às "Bacrim", novos grupos criminosos compostos por ex-membros de grupos paramilitares, totalmente dedicados agora ao narcotráfico.
Cerca de 47% dos 17.000 homicídios cometidos em 2010 no país sul-americano são atribuídos pela polícia a esses grupos.
A guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que também se financia do narcotráfico, mostra que mantém poder militar, apesar da morte de vários líderes, com ocupação de povoados e ataques à força pública. O mesmo ocorre nas florestas do Peru com grupos herdeiros do derrotado movimento maoísta Sendero Luminoso.
Mas a violência não apenas ocorre nas regiões isoladas onde se cultiva a folha de coca.
Nos bairros marginais das grandes cidades latino-americanas, o confronto entre grupos que disputam a venda de derivados de cocaína, como o "paco" argentino, o "bazuco" colombiano e o "crack" brasileiro, deixam um rastro de morte.
O tráfico de drogas "tornou-se um dos problemas planetários mais importantes, porque afeta a segurança de milhões de pessoas", declarou à AFP Louise Arbour, ex-alta comissária da ONU para os direitos humanos e procuradora do Tribunal Penal Internacional.
Em junho, a Comissão Mundial sobre Política de Drogas, integrada por Arbour junto a personalidades como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; Ernesto Zedillo, do México e César Garivia, da Colômbia; e o ex-secretário de Estado americano George Shultz, publicou um relatório que pede reformas radicais nas políticas antidrogas.
Do ponto de vista da saúde pública, o fracasso é notável: entre 1998 e 2008, o consumo de drogas subiu 34,5%, o de cocaína, 27%, e o de maconha, 8,5%.
Nesse mesmo período, os conflitos financiados pelo tráfico tornaram-se um "peso cada vez maior sobre a integridade dos Estados na América Latina e África ocidental", afirmou Arbour.
O relatório da Comissão convida a debater a legalização de algumas substâncias, para diminuir a renda dos cartéis que dominam o mercado negro, e propõe aos países consumidores privilegiar os tratamentos de viciados.
"Dar um tratamento de guerra ao narcotráfico e não de um problema de saúde foi um grande erro", afirmou o poeta mexicano Javier Sicilia, que após o assassinato em maio de seu filho iniciou mobilizações para lembrar as vítimas, inocentes ou não, da estratégia antidrogas de seu país.
Essa luta "custou no México e em outros países milhares de vidas, destruiu famílias e desviou recursos milionários dos governos para atender um problema originado fundamentalmente pelo consumo nos Estados Unidos", completou.
Em 21 de novembro, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, admitiu publicamente a necessidade de iniciar uma "discussão franca e aberta" sobre a possibilidade de legalizar algumas drogas.
É a primeira vez que um presidente da Colômbia, que recebe ajuda militar milionária dos Estados Unidos, admite publicamente debater o tema. "Vale a pena analisar e discutir se o que estamos fazendo é correto, se o que estamos fazendo vai nos levar a alcançar o objetivo final", disse Santos em Londres.
As experiências de legalização, afirmam os defensores dessa possibilidade, mostram que não ocorre um aumento notável do consumo.
Mas ninguém pode ter falsas espectativas, advertem especialistas. Uma iniciativa do tipo é impossível de se conceber sem apoio dos Estados Unidos, que consome 36% da produção mundial de cocaína.
Nos Estados Unidos, "os políticos admitem de forma privada o fracasso da estratégia atual, mas não dirão publicamente", explica Michael Shifter, presidente do instituto Diálogo Interamericano com sede em Washington.
Muito menos antes das eleições. "Em 2012 é um ano eleitoral e ninguém assumirá esse risco", completa Shifter, que admite esperar que exista uma "abertura cada vez maior" na opinião pública em relação à legalização da maconha. Da AFP Paris