Artigo de Fabrício Castro
Foto: arquivo pessoal
A conscientização sobre a importância do tema é fundamental porque, ao final, quem paga a conta é o cidadão. Não é novidade, uma questão muito difundida na sociedade é a existência de uma grande quantidade de fraude em medidores de energia elétrica, popularmente denominado de “gato”. Trata-se de questão que precisa ser melhor compreendida por todos segmentos da sociedade, inclusive, pelo poder público.
Antes de mais nada, a relevância no combate a esse tipo de fraude impõe-se para proteger o cidadão, que fica exposto não apenas a acidentes, inclusive fatais, como a sobrecargas, curto-circuitos que geram queda de energia, incêndios e avarias em equipamentos. Ainda sob a perspectiva do cidadão, destaque-se que os “gatos” de energia provocam diminuição de investimentos e a redistribuição do ônus financeiro a toda sociedade.
A forma de combater os “gatos” é intensificando a fiscalização e deve ocorrer de forma concorrente pelos entes públicos, pelas concessionárias de energia e pela própria sociedade, devendo o cidadão denunciar pelos canais próprios as irregularidades que tiver conhecimento.
Não adianta, contudo, um aparato de fiscalização se não houver segurança jurídica quanto às normas e o procedimento que regem a atividade fiscalizatória. Este talvez seja o ponto fundamental a ser enfrentado, pois o Poder Judiciário muitas vezes tem decidido desconsiderando fraudes detectadas em virtude de alegados vícios no processo fiscalizatório, a maioria das vezes com fundamento na hipossuficiência do consumidor para acompanhar a produção de prova.
Todos sabemos que o Brasil, ainda na década de 90, optou pela privatização de serviços públicos, buscando assim transferir à iniciativa privada atividades que eram custosas para o Estado, a fim de obter maior capacidade de investimento e eficiência da prestação de serviços. Neste modelo, tem importância destacada as agências reguladoras, que, criadas com o Programa Nacional de Desestatização, têm delegação do Poder Legislativo para editar normas e fiscalizar sobre toda atividade regulatória.
A competência delegada para as agências reguladoras, que atuam de forma autônoma e independente, decorre do alto grau de especialidade técnica acerca dos temas que envolvem a matéria objeto da regulação. No que diz respeito ao setor elétrico brasileiro, houve, em 1996, a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para, dentre outras atribuições, estabelecer tarifas, regular a geração, transmissão e comercialização de energia elétrica e fiscalizar os serviços prestados pelas distribuidoras de energia.
No caso específico dos “gatos”, a Resolução da ANEEL 456414/20100 estabelece todo o procedimento a ser seguido pela concessionária de energia para certificar a existência de fraude no medidor. Trata-se, portanto, de um procedimento fixado pelo órgão regulador, que estabelece regras a serem observadas, inclusive para formação de eventual contraditório, de forma que está devidamente observado o devido processo legal.
Evidente, consequentemente, que a concessionária de energia não pode atuar destoando das normas estabelecidas pelo órgão regulador, que inclusive lhe fiscaliza e tem poder sancionatório. Portanto, não deve o Poder Judiciário, sob o pretexto de resguardar o particular supostamente hipossuficiente, anular o ato fiscalizatório da distribuidora que cumpre o regulamento estabelecido pela agência reguladora, sem que se aponte desvio na conduta praticada na apuração da fraude em relação ao procedimento estabelecido pela ANEEL.
Neste sentido, em que pese a existência de decisões desconsiderando atos fiscalizatórios perfeitos que identificam fraudes, há por outro lado farta jurisprudência dos tribunais superiores reconhecendo a deferência do Poder Judiciário aos atos normativos das agências reguladoras, eis que estas são dotadas de conhecimento técnico e possuem delegação do Poder Legislativo para imposição de normas relativas às atividades reguladas, como é o caso da energia.
Na medida em que o Poder Judiciário não é deferente às normas estabelecidas pela ANEEL e tutela pretensão que obstaculiza a atuação no combate às fraudes de energia, cria-se um ambiente de insegurança jurídica, cuja consequência evidente é imobilizar o combate às fraudes de energia, diminuir os investimentos e obviamente repartir por toda sociedade os custos decorrentes da energia desviada.
Enfim, a conscientização sobre a importância do tema é fundamental porque, ao final, quem paga a conta é o cidadão.
Fabírico Castro é advogado, conselheiro federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e presidiu a OAB-BA de 2019-2021
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