Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Um estudo liderado por pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, em parceria com a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e o Instituto de Saúde Global em Barcelona (ISGlobal), apontou que o acesso ao antigo Bolsa Família ajudou a reduzir a incidência de novos casos de Aids, hospitalizações por HIV/Aids e mortalidade pela doença no Brasil.
Segundo a pesquisa, capa da edição de outubro da The Lancet HIV, revista líder no mundo em investigações inovadoras sobre o agravo, a alta cobertura ao principal programa condicional de transferência de renda está relacionada à queda de 12% na mortalidade por aids e em 5,1% na incidência de casos da doença no país.
O estudo aponta que, m relação ao número de hospitalizações por HIV/Aids, a redução chega a 14,3%. O efeito foi ainda mais significativo nos municípios com maiores níveis de endemicidade de aids, com redução de 21,1% nas taxas para hospitalizações por HIV/Aids, 14,7% para mortalidade relacionada à Aids e 12,7% para incidência de casos da doença.
Pioneiro na avaliação do Bolsa Família nos indicadores da Aids no Brasil, o levantamento avaliou dados de 5.507 municípios, no período de 2004 a 2018, a partir de informações coletadas de diversas bases governamentais, como a Matriz de Informações Sociais do Ministério do Desenvolvimento Social, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e IBGE.
"Analisamos o efeito do Bolsa Família nos indicadores de aids (incidência, hospitalização e mortalidade) na totalidade dos municípios e também em municípios com taxa média de incidência de casos de aids maior que 10, maior que 20 e maior que 30 casos por 100 mil habitantes-ano. Os resultados mostram um maior efeito do programa em municípios com uma alta cobertura da população-alvo (acima de 70%) e também em municípios com maior taxa de incidência média de casos de aids, sendo o efeito maior na redução na taxa de hospitalização, seguida pela redução na taxa de mortalidade pela doença”, explica o pesquisador Gabriel Morais (ISC), que lidera o estudo.
Entre 2004 e 2018, nos municípios estudados, foram notificados 601.977 casos novos de aids, sendo 376.772 (62,6%) em homens maiores de 14 anos, 212.465 (35,3%) em mulheres maiores de 14 anos e 12.740 (2,1%) em crianças com 14 anos ou menos. Foram notificadas 533.624 hospitalizações relacionadas com o HIV/aids e 176.868 mortes relacionadas com a doença. No mesmo período, observou-se queda na incidência média municipal de aids (–12,93%), internações (–30,65%) e mortalidade (–10,53%). A cobertura do PBF da população-alvo aumentou 39,88% de 2004 a 2018, atingindo uma cobertura média de 86,94% no último ano analisado.
Segundo o pesquisador, em relação ao resultado geral encontrado, muitas questões podem contribuir para a relação positiva da cobertura do Bolsa Família na luta contra o HIV/Aids. Nesse sentido, o efeito pode estar associado à melhoria das condições socioeconômicas e de saúde das famílias, especialmente aquelas em situação de extrema pobreza. “A renda recebida permite uma elevação na cesta de bens alimentícios e, possivelmente, a melhoria do estado nutricional inibiria de alguma forma a progressão da infecção pelo HIV para a aids, resultando em reduções nas hospitalizações e na mortalidade como consequência. Outro mecanismo possível em relação à renda seria a diminuição da barreira econômica, como por exemplo, subsidiando o custo de transporte para acesso aos serviços de saúde, melhorando a continuidade e aderência ao tratamento, que vale lembrar, é gratuito e oferecido pelo SUS”, observa o pesquisador.
Outro fator a ser considerado é o acesso aos serviços de saúde das beneficiárias grávidas para a realização do pré-natal, que envolve não só a testagem para o vírus HIV, mas para uma série de doenças. “Caso seja constatada a infecção pelo HIV, a beneficiária grávida (bem como qualquer outra beneficiária) deve iniciar o tratamento antirretroviral, sendo monitorada pela equipe de saúde e assistência social, evitando assim a transmissão vertical (aquela de mãe para filho)”.
Foi justamente nessa população que o Programa Bolsa Família apresentou o maior efeito, com redução de 14.6% e 24.5% nas taxas de incidência de aids em mulheres adultas (maiores de 14 anos) e em crianças de até 14 anos, respectivamente, em cidades com maior nível de endemicidade. “Como os beneficiários precisam acessar o serviço de saúde como requisito para a continuidade do benefício, a expansão do serviço de saúde acompanhou a expansão da cobertura do programa. Nesse sentido, de forma geral, o Bolsa família contribui com o aumento da testagem dos beneficiários para HIV e a informação do estado serológico precoce é de suma importância para a controle do HIV/aids por meio da cobertura e aderência ao tratamento, ajudando a inibir a transmissão do HIV”.
Para Gabriel Morais, a principal contribuição do estudo é mostrar que a proteção social deve ser considerada como parte de qualquer estratégia na luta contra o HIV/Aids e que os programas de transferências condicionais de renda podem reduzir, significativamente, a morbimortalidade por HIV/aids. “Além disso, o nosso estudo mostra que um programa condicional de renda, como o Bolsa Família, representa uma importante intervenção de cunho econômico, educacional e de saúde que pode ajudar o Brasil a atingir alguns dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, como por exemplo, reduzir a pobreza extrema e dar fim à pandemia de aids até 2030”, conclui.
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