Criado para gerar emprego e renda na região Nordeste, o programa de incentivo só prejudicou a população, deixando a Bahia à deriva com a saída da Ford e prejudicando outros estados com o corte da redistribuição do IPI não recolhido
A PEC 186/2019 passou pelo Congresso. Além dos pontos mais importantes como o auxílio emergencial e o orçamento para saúde nesse momento de pandemia, há uma discussão que pouco se fala: a possibilidade de acabar com uma das maiores distorções da indústria brasileira. Que tira bilhões de reais de todo o nordeste do País por causa de duas empresas.
O texto, que discute formas de garantir o reequilíbrio social e fiscal do Brasil durante e após a pandemia, prevê a redução progressiva até a eliminação dos privilégios dos incentivos fiscais que beneficiam algumas poucas empresas, em troca de um prejuízo bilionário a todo o País.
Um exemplo gritante é o privilégio fiscal federal dado às indústrias do setor automotivo, somente a duas montadoras.
Vale reforçar que a Ford recebeu bilhões de reais em incentivos fiscais. Esse dinheiro deveria ser revertido para a população. Mas o que realmente aconteceu foi que a própria população arcou com os custos da saída da empresa, além de herdar milhares de desempregados, comerciantes e outras indústrias que dependiam direta e indiretamente da empresa.
Caso a Bahia tivesse utilizado de outra forma este valor bilionário concedido a uma montadora que abandonou o Estado em estrutura turística, por exemplo, transformando a Bahia numa “Cancún brasileira”, o estado poderia estar arrecadando todos os anos algo proporcional a 21 bilhões de dólares. Este é a geração de riqueza alcançada pelo México, em 2017, quando recebeu 39,3 milhões de turistas.
Um estudo da própria Anfavea (entidade que representa as montadoras) mostra que cerca de 70% dos R$ 6,5 bilhões anuais de incentivos fiscais federais concedidos nos últimos dois anos a apenas duas indústrias automotivas.
Para compreender o tamanho da proporcionalidade desse privilégio no cenário desafiador que vivemos, esses R$ 4,5 bilhões ao ano, que deixaram de entrar nos cofres públicos poderiam ser utilizados, por exemplo, na inclusão de cerca de 10 milhões de pessoas no programa Bolsa Família.
A Ford, uma das duas montadoras que recebeu todos estes privilégios ao lado da Fiat, anunciou a saída do Brasil. Segundo a própria empresa, os custos provisionados para o fechamento das unidades é de US$ 4,1 bilhões, mais de R$ 20 bilhões. Ou seja: os estados brasileiros custearam com os privilégios fiscais a saída da montadora do País e a eliminação de 5.000 empregos.
Para acabar com esta situação de descompasso econômico e social que se perpetua há anos, o texto substitutivo da PEC 186/2019, de autoria do senador Marcio Bittar, estabelece no artigo 6º que a emenda constitucional entrará em vigor na data de sua publicação, com exceção do inciso XII do art. 167 – que trata da criação, ampliação ou renovação de benefício ou incentivo tributário –, cuja entrada em vigor seria em 1º de janeiro de 2026. O parágrafo único do art. 6º determina que a reavaliação dos referidos benefícios e incentivos se aplica também àqueles já existentes, considerando-se como termo inicial a data de promulgação da emenda constitucional.
Isso pode significar o fim de um artifício fiscal histórico que beneficia determinadas empresas, sem a devida compensação social e econômica na região, em detrimento da economia e outras ações sociais em todo o restante do País.
Para corroborar todas estas informações, vale lembrar ainda que em 2011 um estudo do próprio Centro de Estudos do Senado Federal (EM ANEXO) já apontava os malefícios destes incentivos fiscais que privilegiam poucos em detrimento de muitos. Um estudo que faz aniversário de 10 anos de sua publicação pode finalmente estar sendo levado em conta, para reduzir as desigualdades do setor automobilístico que prejudicam todos os brasileiros.
Imagem de uma apresentação produzida pela Anfavea – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos automotores. Os valores marcados em amarelo são os privilégios fiscais dados a duas montadoras instaladas apenas na Bahia e Pernambuco.
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